1 de março de 2018

DISCOS DE VINIL # 49


ANGELA RÔ RÔ – COMPASSO (2006)


Estou bem melhor como cantora sem a nicotina e o alcatrão. Tenho mais fôlego, mais lucidez e melhorou meu sistema nervoso. Desafino menos.
(Angela Rô Rô)

         Angela Rô Rô é uma das cantoras mais talentosas da música brasileira: em uma carreira que se expande por quatro décadas, lançou 14 álbuns até o final de 2017 – 11 de estúdio e 3 ao vivo. Suas canções falam das mais variadas formas de amor – declarações de liberdade, protestos contra a depredação da natureza e as famosas odes amorosas em forma de canção são os temas mais recorrentes de sua obra musical.
         Compasso é o único álbum de inéditas lançado por Angela Rô Rô na década de 2000. Bastante elogiado pela crítica e aclamado pelo público, é um trabalho de parcerias interessantes: além do seu escudeiro de décadas, o tecladista Ricardo MacCord, há dobradinhas com a poeta e letrista Ana Terra (co-autora de “Amor Meu Grande Amor”) e com o pianista e produtor Antonio Adolfo, com quem a artista trabalhou em seus primeiros anos de carreira. O ouvinte é brindado com uma diversidade musical bastante interessante: Rock, Jazz, Forró, Blues, Bossa Nova e baladas românticas bem ao gosto das rádios de MPB.
         A faixa-título é uma declaração de amor à nova vida que surgia, um manifesto da nova Angela Rô Rô que surgia para os olhos e ouvidos do seu público: sóbria, sorridente e bastante esbelta (não menos louca, diga-se de passagem!) – uma imagem bastante distinta da gordinha sexy que vivia em plena esbórnia e cantava a fossa e a boemia como pouquíssimos. O uísque dos tempos de outrora fora substituído pela água mineral. A irreverência, como consequência, passou a ser abastecida por um bom humor menos agressivo:


É o que pulsa o meu sangue quente
É o que faz meu animal ser gente
É o meu compasso mais civilizado e controlado

Estou deixando o ar me respirar
Bebendo água pra lubrificar
Mirando a mente em algo producente
Meu alvo é a paz!

Vou carregar de tudo vida afora
Marcas de amor, de luto e espora
Deixo alegria e dor ao ir embora

Amo a vida a cada segundo
Pois para viver eu transformei meu mundo
Abro feliz o peito, é meu direito!
        
“Contagem regressiva”, um rock assinado pela cantora e Ricardo MacCord, se assemelha por demais com as gravações clássicas de Angela Rô Rô do início dos anos 1980 e uma das melhores faixas de Compasso, pois atesta o seu talento de intérprete:


Se alguma coisa perturba você
Larga a aflição e vem me ver
Se a solidão caça você
Larga essa dor, eu vou te ver!

Pode contar comigo contagem regressiva
Que eu ponho fim a essa tristeza compulsiva
Também, pra quê que serve amigo?
Chamego e conforto, teu barco à deriva
Posso ser teu porto! Meu bem!

Se o amor assusta você
Conta comigo, vem me ver
Se o amor feriu você
Sou teu amigo, vou te ver

Pode contar comigo contagem regressiva
Que eu ponho fim a essa tristeza compulsiva
Também, pra quê que serve amigo?
Chamego e conforto, teu barco à deriva
Posso ser teu porto! Meu bem!

         Dentre as faixas românticas de Compasso, destaca-se “Paixão”, parceria bissexta de Angela Rô Rô com a poeta Ana Terra, mais de duas décadas depois de “Amor, Meu Grande Amor”. Com Ricardo MacCord, compôs as apaixonadas “Sem Adeus” e “Loucura Maior”. No entanto, a faixa mais apaixonada deste CD é “Chance de Amar”, sétima faixa do disco, uma dobradinha de Rô Rô com o pianista, compositor e produtor musical Antônio Adolfo:  


Não é por sentir que te quero
Nem por saber esperar
Por todas as vezes que antes... foi vacilar
Sem medo de perdas ou ganhos
Sem pensar se amar
Ao longo de todos os anos... valeu tentar

Apenas a música lenta... tocando dentro de mim
Lembrando que um sonho de alento... não tem fim

Não é por pensar em você... como quem quer estudar
Todas as aulas da vida... sem faltar.
Sem culpa da curiosidade... pois tão pouco te vi
Ao longo de toda a cidade... ando a sorrir

Apenas a música lenta... tocando dentro de mim
Lembrando que todo o tormento... tem um fim

É por ser tanto que quero... que vou saber esperar
Por qualquer tipo de afeto... que brotar
Sem medo de perdas ou ganhos, sem pensar se amar
Ao longo de todos os anos... valeu tentar

Apenas a música lenta... tocando dentro de nós.
Lembrando num gesto amigo... não somos sós.

Teu caminho a liberdade... pro meu caminho cruzar.
Aprendi a dar valor... a qualquer chance de amar
A menor chance de amar.
A qualquer chance de amar.

No quesito diversidade musical, os fãs de Angela Rô Rô foram brindados com “Dá Pé!”, um reggae filosófico e bem debochado, bem ao estilo irreverente da artista. “Menti pra Você”, uma Bossa marcada pelos arranjos de MacCord, vai na contramão dos clássicos do gênero ao falar de amores fugazes, porém intensos. “Arranca Essa Flor” é um bolero delicado e inspirado no repertório musical de Omara Portuondo, uma das mais belas vozes cubanas. Por fim, “Não Adianta” é um forró, um lamento apaixonado que trata de dor e desilusão e comprova o quando Rô Rô é um intérprete versátil e inteligente, ao transitar com naturalidade por universos musicais distintos:


Tenho um coração apaixonado
Não adianta nem tentar curar
Não vejo mais o verde das pastagens
Nem ouço a brisa da alegria me chamar

Pois só escuto a dor a me dizer
Que eu não posso mais querer você
Pois só escuto a dor a me dizer
Que eu não posso mais querer você

Tenho um coração tão machucado
Não adianta nem amaciar!
Não ouço o riacho versejando
E os passarinhos cedo a cantar...

Pois só escuto a dor a me dizer
Que eu não posso mais querer você
Pois só escuto a dor a me dizer
Que eu não posso mais querer você

O sol se põe tardinha quase noite
E a sua ausência vira um açoite
Depois de um dia inteiro trabalhando
Não durmo com a saudade me açoitando

E o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que eu não posso mais querer você
E o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que eu não posso mais amar você

O sol se põe tardinha quase noite
E a sua ausência vira um açoite
Depois de um dia inteiro trabalhando
Não durmo com a saudade me açoitando

E o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que eu não posso mais querer você
E o meu sonho sem sono vem a me dizer
Que eu não posso mais amar você

Talvez toda essa gente sinta o mesmo
E a essa hora corra para o bar
Só sei que o sentimento por você
Me fez até não querer mais me embriagar

Pois só escuto a dor a me dizer
Que eu não posso mais querer você
Pois só escuto a dor a me dizer
Que eu não posso mais amar você

Angela Rô Rô guardou para o final de Compasso as três faixas mais intensas do disco. “Bater Não Doi” e “Nossos Enganos” são duas canções de protesto bastante fortes, com mensagem direta: as consequências dos atos mais irresponsáveis dos seres humanos, a falta de perspectivas de um mundo a mercê dos desmandos dos homens, a vilania e a ambição do homo sapiens:


São nossos os nossos enganos
Os danos que danam em nós
Os erros que erramos unidos
Pagamos com a vida a sós

A vida com as horas contadas
O encontro marcado às escuras
Caminho de pedras marcadas
E um chão de penas duras

A raça humana ingrata
Só fez ferir a terra
De um jeito que não haja mais amanhã

Cruel geral tormenta
Doença, fome e guerra
Tão triste reconhecer que sou vilã

         O álbum se encerra com “Dorme, Sonha...”, um acalanto apaixonado e que foi número de abertura das primeiras apresentações da turnê deste álbum em São Paulo. Uma Angela Rô Rô lírica, intensa e apaixonada surge para o ouvinte, convidando sua musa amada para o sono redentor dos amantes apaixonados e sedentos por amor:


Dorme, dorme, dorme e sonha
Deixa o seu perfume em minha fronha
Acorda, acordo, a corda está sem nós
A corda deu um laço não estamos sós

Dorme e sonha espanta o medo
Meu amor é só o seu brinquedo
Acorda, acordo o seu adeus certeiro
leva o sonho do meu travesseiro
Em breve sei que vou sentir seu cheiro

         Compasso é um dos cinco trabalhos mais importantes da discografia de Angela Rô Rô, visto que apresentou a artista a uma nova geração de ouvintes de MPB e satisfez fãs saudosos de novos sucessos, do lirismo e da fina ironia de uma das cantoras mais talentosas de nossa música. Apesar de sóbria e limpa de quaisquer tipos de narcóticos, a loucura de Rô Rô se manteve intacta com o passar do tempo: continua intensa, hilária e apaixonada, por isso, é uma artista fundamental.



2 comentários:

  1. Uma artista ímpar, corajosa, nasceu com a cabeça fora do seu tempo, daí muitas incompreensões. A loucura, parece-me ser o teu combustível...Pensa rápido, inteligente, têm sempre as melhores respostas, para quem tenta lhe pregar alguma peça. Sabe usar as palavras ao teu favor, entrevista não têm para ninguém, direciona para o lado que quer, jogo de cintura é o que não lhe falta. Irônica, sarcástica, debocha de tudo, inclusive dá suas próprias mazelas. A poesia e a música e nada dela, trouxe consigo, e isso ninguém pode lhe tirar. Mulher de voz quente e rouca, canta a melancolia como ninguém. Libertária, e inconsciente, foi e é porta voz de uma geração que arrombou a festa.

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    1. O bom de manter este Blog é ler comentários tão bacanas como o seu, Robson querido! Muito, mas muito obrigado mesmo!!! ;-)

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