20 de julho de 2017

DISCOS DE VINIL # 34

MARIA BETHÂNIA – MARIA BETHÂNIA (1965)


Em 1965, o Brasil estava às voltas com o início de um regime militar que duraria mais 20 anos. Enquanto isso, vários artistas da música brasileira buscavam protestar contra o autoritarismo do sistema político e dos desmandos das elites com uma produção artística de fortíssimo cunho social. Uma das vozes que mais se destacaram naquele período no que diz respeito à chamada "canção de protesto" foi a de Nara Leão, que protagonizou o musical Opinião, ao lado de João do Vale e Zé Kéti. Em pouco tempo, o espetáculo dirigido por Augusto Boal se tornou em um dos maiores símbolos da resistência artística contra a ditadura.

Nara Leão entre João do Vale e Zé Kéti

Entretanto, Nara Leão não conseguiria encabeçar o elenco de Opinião até o final da temporada (abril de 1965) devido a um intenso desgaste em suas cordas vocais, o que lhe obrigava repouso absoluto. Em suas andanças pelo Brasil em busca de novos cantores e compositores, Nara descobriu um grupo de artistas formidáveis que viviam em Salvador, um dos maiores polos culturais de nosso país na época. São eles: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Maria da Graça (mais tarde conhecida entre nós como Gal Costa) e a jovem Maria Bethânia, irmã mais nova de Caetano. Foi esta jovem nordestina de Santo Amaro da Purificação, cidade localizada no recôncavo baiano, que foi escolhida pela intérprete de "Diz Que Fui Por Aí" para o seu papel no musical de Augusto Boal.

Maria Bethânia entrou para o elenco do musical no início de 1965

Ao chegar no Rio de Janeiro para cumprir a etapa final da temporada de Opinião, Maria Bethânia chocou uma parcela considerável de espectadores sua árida persona contrastava com a doçura angelical de Nara Leão: magérrima, nordestina, cabelos crespos presos em um coque, nariz adunco, voz grau é infinitamente potente, a artista conquistou o público através de sua extraordinária dramaticidade. O ponto alto das apresentações de Bethânia era a sua interpretação agressiva de "Carcará" (João do Vale e José Cândido): ao final do número, ela recitava números de um relatório da SUDENE sobre o êxodo de nordestinos para regiões mais desenvolvidas do país (10% do Ceará, 13% do Piauí, 15% da Bahia, 17% de Alagoas) para encerrar com o apoteótico "pega, mata e come".




A partir de então, "Carcará" se associou a sua intérprete de tal maneira ao ponto de Maria Bethânia se recusar a cantar a canção durante um bom tempo. Afinal, a jovem artista não desejava ser apenas uma musa das esquerdas festivas cujo repertório era composto exclusivamente de canções de protesto. Dentro do universo de Bethânia, também havia espaço para os sambas de roda do recôncavo baiano, para os sambas de morro, para as marchas-rancho, para o cancioneiro refinado de Caymmi e Noel, para o romantismo do samba-canção, além dos trabalhos inéditos dos jovens compositores de sua geração Caetano Veloso, especialmente.


O primeiro compacto de Bethânia apresentava "De Manhã", primeira canção de seu irmão Caetano Veloso gravada em disco.

O álbum de estreia de Maria Bethânia foi lançado pela RCA Victor em junho de 1965 e é um retrato fiel não apenas do talento de uma jovem artista (às vésperas de completar 19 anos de idade), como é uma amostra e tanto de seu extenso universo musical - além de "Carcará", sambas de Batatinha e Noel Rosa figuram lado a lado de canções de João do Vale, Braguinha, Monsueto e de Caetano Veloso, lançado ao mundo artístico (junto de Gal Costa –  o dueto das duas em "Sol Negro" é um dos melhores momentos deste disco) por Bethânia.

Bethânia & Gal


À irmã de Caetano Veloso faltava naquela época muita técnica e suavidade, porém sobrava bravura, ousadia e emoção  três elementos mais do que necessários para atravessar tempos tão complicados como os de 1965 no Brasil...