3 de maio de 2017

TROVA # 123

O INCÊNDIO DOS VAGABUNDOS


Workers can you stand it?
Oh, tell me how you can
Will you be a lousy scab
or will you be a man?

Which side are you on boys?
Which side are you on?

Don't scab for the bosses
Don't listen to their lies
Poor folks ain't got a chance
Unless they organize

Which side are you on boys?
Which side are you on?
(Florence Reece na voz de Natalie Merchant, 2003)



Fogo, fogo, fogo, água
Incêndio nas ruas
bomba, bomba, bomba, praça
Vielas, ratos, figuras, nuas

Plástico, jornal, rajada
Contagem, atraso
Pânico, pulseira, brinco, colar
Carteira, rádio, anel, sacola

Incêndio nas ruas
Incêndio nas ruas
Incêndio nas ruas
Incêndio nas ruas
(Pedro Luís na voz de Ney Matogrosso, 2013)


         Quer queira, quer não, o Brasil parou no dia 28 de abril de 2017. A greve geral, originalmente convocada pelas centrais sindicais, teve a adesão de professores das redes pública e privada, metroviários, condutores e cobradores de ônibus e outros grupos de trabalhadores. O GAFE tentou desqualificar e descaracterizar o movimento através de uma cobertura jornalística parcial e descaradamente tendenciosa. O alto empresariado, as elites e os pobres de direita se sentiram aviltados por terem tido o seu direito de ir e vir abalado por “baderneiros defensores do Lula”. A classe política governista minimizou os protestos, mas se manteve em pânico ao constatar que aproximadamente 35 milhões de brasileiros literalmente cruzaram os braços.


         Para mim, a fala mais estarrecedora sobre a greve geral foi a do Prefeito de São Paulo e de um de seus subprefeitos. Ambos qualificaram os manifestantes de “vagabundos”, alegando que sexta-feira é dia de trabalho, ameaçaram os servidores públicos municipais e cortaram o ponto dos funcionários que não compareceram aos seus postos de trabalho naquele dia. Exemplo este seguido pelo Presidente da República, Michel Temer, em relação aos funcionários públicos federais, cujo dia também foi descontado – afinal de contas, o melhor dia para realizar uma greve deveria ser o domingo, pois, assim, não atrapalha o direito alheio de ir e voltar para onde desejasse. O povo lhes informou, sem o menor pesar, de que domingo é o dia das elites protestarem; a classe trabalhadora batalha por seus direitos durante a semana mesmo.


         No entanto, a mais genuína prova de vagabundagem não vem daqueles que cruzaram os braços e foram às ruas protestar contra as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo Governo Temer: os verdadeiros desocupados são os representantes da elite e do empresariado, donos das grandes corporações que devem bilhões de reais à Previdência Social e demais órgãos oficiais ao sonegarem encargos e tributos que resolveriam os problemas econômicos do país em um estalar de dedos. A ganância, a arrogância, a avareza e a hipocrisia destas pessoas nos obrigam a pagar taxas cada vez mais exorbitantes, pois elas se recusam em dividir as fortunas e os lucros de seus dividendos com o restante da sociedade. Com isso, a paciência dos contribuintes é carcomida e incendiada pelo cinismo de fazer inveja ao próprio Tio Patinhas.


         Os 4% de aprovação de Temer na Presidência da República evidenciam que o povo está farto da hipocrisia e da ganância de uma classe política que tem feito pouquíssimo para solucionar as questões endêmicas do Brasil. Some-se a este caldeirão fumegante 14 milhões de desempregados e uma grande mídia irresponsável e tendenciosa, a quem “carinhosamente” chamamos de GAFE. A revolta das pessoas nas ruas e nas redes sociais protestando, atravancando vias públicas e proferindo palavras de ordem para quem quiser ouvir é genuína, pois só a classe trabalhadora sabe o preço e a dor da ausência de direitos trabalhistas. Por outro lado, a reação dos policiais diante dos protestos (não-)pacíficos foi agressiva e truculenta, como sempre: milhares de cassetetes em riste, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo foram utilizados para reprimir os manifestantes de maneira vil e covarde.




         A imprensa estrangeira, ao contrário do GAFE, não escondeu a greve geral para debaixo do tapete dos fatos e acontecimentos do dia. A comunidade internacional tomou conhecimento não apenas da crise política que tem assolado o Brasil há anos, como também da revolta dos “vagabundos” que incendiaram as principais ruas, estradas e avenidas do Brasil. Afinal, ainda persiste a esperança de que o incêndio promovido pelo povo seja uma resposta à altura do retrocesso pelo qual ele passa e sente na pele.