8 de janeiro de 2017

TROVA # 106

INIMIGOS DO POVO


É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando, que também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão
(Chico Buarque, 1976)


         A pergunta que ainda me faço, no apagar das luzes de ano velho e do acender dos interruptores do ano novo, é a seguinte: como devemos proceder para explicar todos os acontecimentos nos planos político, social e econômico de 2016 para as gerações seguintes? De que maneira meus afilhados, sobrinhos, filhos (se eu os tiver) e alunos compreenderão a complexidade dos ocorridos? Como deixar claro a concretização de um golpe de estado em meio ao bombardeio de informação e supostas verdades atiradas sem critério ao léu? Se desejarmos a realização deste feito no futuro, será preciso muita frieza, bom caráter e lucidez para distinguirmos o joio do trigo...
         Dentre erros grotescos e acertos indiscutíveis, o Brasil viveu por 13 anos sob a chancela do PT no Governo Federal. A mídia brasileira passou 13 anos berrando aos quatro ventos do planeta de que Luís Inácio Lula da Silva e seus comparsas ao lado da suposta incompetência administrativa de Dilma Rousseff afundariam o Brasil de uma vez. As famílias detentoras dos oligopólios midiáticos, insatisfeitas em verem a ascensão das classes C, D e E nos últimos 13 anos, financiaram o golpe ao lado dos setores principais do empresariado e dos membros mais pérfidos da classe política brasileira. A desculpa? “Precisamos salvar o país desta crise econômica galopante  antes que a corrupção do PT afunde de vez com o Brasil!” – uma justificativa bem parecida com a desculpa esfarrapada que os militares lançaram mão para tomar o poder dos civis em 1964.


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A parcela majoritária da classe política que se encontra nas esferas municipal, estadual e federal não representa os interesses da população que a elegeu: são políticos comprometidos com seus próprios benefícios, não se importam com o bem-estar social, são traidores da democracia, inimigos do povo. Em meio a uma das crises econômicas mais agudas dos últimos tempos e o surgimento de milhões de brasileiros desempregados, vereadores paulistanos aprovaram aumento de salário; o Judiciário apoiou a queda uma Presidente eleita pela soberania do voto popular em troca de mais benefícios e melhores ordenados; o chefe de estado golpista não apenas foi acusado de corrupção, como também levou os espécimes mais desonestos do país para ocuparem cargos de confiança no novo governo.


Dentre os principais feitos que o governo golpista de Michel Temer conseguiu em menos de um ano de atividades, destaco a aprovação do limite de gastos públicos por 20 anos, o aumento do salário mínimo abaixo da inflação pela primeira vez em 13 anos, uma reforma previdenciária que obriga as pessoas a se aposentarem mais tarde, uma proposta de reformulação do Ensino Médio que torna o sistema educacional ainda mais ineficiente e autoritário, desobrigando os alunos a desenvolverem um pensamento crítico. O retrocesso histórico com a aprovação destas medidas é incalculável, pois o povo tem muito a perder com mais de 743 bilhões a menos em saúde e 510 bilhões a menos em educação.


Outra pergunta que eu me faço: não seria a tal “Ponte para o Futuro” que levaria o Brasil para bem longe da crise?!


Enquanto Temer dizia sua mensagem de fim de ano para mais de 200 milhões de brasileiros, milhares de funcionários públicos cariocas amargavam uma das piores de Natal dos últimos tempos. O Governo do Estado do Rio de Janeiro não chegou a pagar os salários de novembro aos servidores – décimo-terceiro salário, então, nem chegou a ser cogitado. A crise do funcionarismo público também atinge outros Estados do país, gerando incertezas e preocupação. Os concursados tentam encontrar meios para poder fugir da roda-viva na qual foram atirados ao mesmo tempo em que a preocupação do poder oficial é com os festejos de fim de ano na orla de Copacabana. Sim, a velha tática do pão e circo ainda faz um enorme sucesso...

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A virada do ano deveria nos trazer a renovação de esperanças nas instituições e na humanidade e a crença em dias melhores. Ao ler as notícias de uma chacina ocorrida em Campinas na virada do ano, já senti um embrulho no estômago. Ao saber que o crime foi motivado pelos discursos mais fascistóides da extrema direita, a minha fé no ser humano diminuiu ainda mais um pouco. Ao tomar conhecimento da segunda maior catástrofe em presídios brasileiros logo depois do início de 2017, meus nervos foram postos à prova. Ao descobrir que o maior inimigo do povo, aquele que se diz Presidente da República tratou do ocorrido como um “ACIDENTE PAVOROSO” e que um de seus secretários de governo tinha feito apologia às chacinas presidiárias, minha revolta diante de tudo só aumenta. Ao ver as fotos do Prefeito de São Paulo fantasiado de gari para fazer proselitismo e demagogia enquanto aumenta o preço das passagens de ônibus e metrô, o meu ódio contra os oportunistas cresce ainda mais...


Enquanto a sociedade brasileira vai fazendo careta para aguentar a situação, os inimigos do povo vão saqueando os cofres públicos através de propinas, lavagens de dinheiro e cartões corporativos no mesmo passo em que a mídia faz nenhum alarde, o judiciário faz pouco caso e o povo, aos poucos, é passado para trás. E assim seguimos fazendo uma série de piruetas financeiras para garantir o santo e suado ganha-pão...