9 de maio de 2017

TROVA # 124

CONSTRUÇÃO & RUÍNA


        
Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína
(Caetano Veloso, 1991)


O Brasil comemora o chamado Dia do Índio todo dia 19 de abril. Diante de mais cinco séculos em que nossos nativos são massacrados pelo homem branco, me pergunto o porquê das escolas ainda insistirem em fantasiar as crianças pequenas de cocar e tapume. Ao ver fotos do meu sobrinho carioca vestido de indígena ao voltar da escolinha, não deixo de esconder meu encantamento, pois Arthurzinho é o maior orgulho que este Tio babão poderia ter – afinal, em matéria de criança, não consigo ser tão amargo assim. Por outro lado, ao assistir as notícias pela TV e pelas redes sociais, meu encantamento ao ver os pequenos fazendo as “devidas homenagens” vai por água abaixo.
Tudo começou com um sim. Os nativos brasileiros foram encontrados por Pedro Álvares Cabral e sua turma e aceitaram o primeiro contato pacífico com os lusitanos achando que tudo seria uma verdadeira maravilha. Ao aceitarem espelhos e outras iguarias em troca das riquezas que esta terra tinha a oferecer, deu-se início a uma série de barbárie contra o povo indígena que não teve mais fim: é de conhecimento público que os índios foram saqueados, escravizados, explorados e mortos. Além disso, suas terras foram roubadas para garantir o progresso da pátria que florescia para os olhos da Coroa. Diante do genocídio da população indígena, fica até difícil acreditar que todo dia era realmente dia de índio.


A chamada nação brasileira foi construída a partir da ruína do povo indígena e da ruína moral daqueles que passaram a comandar esta terra infeliz. Os políticos brasileiros não têm tratado os indígenas com o devido respeito: enquanto celebridades da extrema direita alegam que os índios são improdutivos em relação à produção agrícola brasileira, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) sequer defende os nativos dos ruralistas que impedem a reforma agrária e concentram uma quantidade indescritível de riquezas.


 Diante da violência contra o seu povo, o índio não quer apito não, ele apenas quer a terra, o seu direito de existir sem ter sua integridade em risco. Em uma recente manifestação em Brasília, o comitê de recepção aos protestantes indígenas foi composto por cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Com a nomeação do novo presidente da FUNAI em maio de 2017, a bancada ruralista do Congresso Nacional encontrou um representante e tanto para a garantia dos interesses dos latifundiários. Ao viver em uma democracia cada vez mais combalida e doente, tentei até chorar de ódio pelos indígenas, mas não consegui.


Uma campanha que ainda pode trazer esperança para os poucos índios que ainda sobraram para contar história chama-se “Demarcação Já!", uma homenagem realizada por mais de 25 artistas da música brasileira aos povos indígenas do Brasil. A letra de Carlos Rennó, a música de Chico César e a direção de André D’Élia ressaltam que os nativos merecem os mesmos direitos que os demais cidadãos brasileiros merecem: ter a sua terra e ter o seu direito à vida garantido.



Caso estes direitos sejam extintos, a única coisa pela qual eu possa desejar é o surgimento de um índio tal qual a canção emblemática de Caetano Veloso: que ele venha de uma estrela colorida, brilhante em uma velocidade estonteante, preservado em pleno corpo físico, impávido como Ali, apaixonado como Peri, tranquilo e infalível como Bruce Lee. Que ele nos ensine e nos diga o necessário para que os brasileiros vivam em estado de igualdade, o que deveria ser claro ou exótico e nunca esteve oculto, o que deveria ser óbvio, mas que infelizmente não é...




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