26 de outubro de 2016

DISCOS DE VINIL # 5

MADONNA – LIKE A PRAYER (1989)


O final da década de 1980 prometia uma série de mudanças para a música do planeta. Madonna, uma das protagonistas da música e dos costumes que revolucionaram conceitos e definiram uma era, não estava incólume a tais ventos de renovação.


No final de 1988, Madge tinha acabado de completar 30 anos, vivia um casamento em crise com Sean Penn, tentava uma carreira de atriz séria em Hollywood e na Broadway (sem a mesma repercussão de Desperately Seeking Susan, sua estreia na telona) e via a necessidade de renovar a sua imagem e som. Ou seja, a música Pop de Madonna, que lhe rendeu clássicos como “Everybody”, “Holiday”, “Material Girl” e “Dress You Up” necessitava se tornar mais adulta, menos voltada para as meninas adolescentes que imitavam os figurinos e trejeitos explorados por ela nas turnês dos álbuns Like a Virgin e True Blue. Abordar temáticas mais maduras e menos juvenis tornou-se prioridade para a Pop Star.


A Madonna que surgiu para os olhos do grande público em 1989 tinha sofrido a mutação camaleônica mais radical que aquele espécime poderia ter tido até então. Seus cabelos tinham abandonado a tintura loira platinada de Nikki Finn, sua personagem alter-ego do filme Who’s That Girl?, para assumirem um tom castanho escuro. Seu figurino era, surpreendentemente, mais recatado e discreto – justamente para despistar o mundo da música com a grande revolução que já estava em curso.


O casório com Penn chegava finalmente ao fim com a alegação de “diferenças irreconciliáveis” em janeiro de 1989 quando, na verdade, todos sabiam que Sean era dotado de um ciúme extremamente doentio e que chegava por vezes a bater em fotógrafos e submeter a então esposa em episódios de cárcere privado (isso quando Madonna não apanhava literalmente do então marido).


A chegada aos 30 anos de idade fez com que a perda precoce da mãe (levada pelo câncer pouco depois de ter completado 30 anos de idade) e a relação delicada com o pai se tornassem ainda mais doloridas e agudas e, com tudo isso, junte-se muita sexualidade reprimida pela religiosidade extrema de uma família católica. Eis a atmosfera que fez do álbum Like a Prayer a obra-prima de Lady Madonna até aquele momento.



A faixa-título abre o disco com uma guitarra distorcida, um coral de negros, um órgão Hammond B-3 e Madonna anunciando que a vida é um mistério e que todos nós deveríamos nos manter de pé sozinhos, porém ao ouvir um chamado especial, nos sentimos amparados como se estivéssemos em casa e livres de toda a solidão. A prece de Madonna (uma ode musical ao grupo Sly & The Family Stone) era muito simples, muito direta, porém ninguém tinha ideia do quão seria provocante até ver o vídeo dirigido pela diretora Mary Lambert, a mesma que dirigiu a Pop Star em “Like a Virgin”: Madge aparece como testemunha de um crime cometido por um rapaz negro, depois convertido em santo religioso.


Nenhum problema se Madonna não tivesse aparecido beijando lascivamente este símbolo religioso na boca e muito menos se ela não aparecesse dançando freneticamente à frente de cruzes em chamas proclamando que através da sua prece, sua voz me leva para onde você quiser que eu vá, blá blá blá…


A mídia ficou em estado de choque, as instituições religiosas ficaram revoltadas (o Papa João Paulo II liderou um boicote contra o videoclipe) e a Pepsi – que patrocinaria a próxima turnê mundial da Diva – decidiu cancelar o apoio financeiro milionário e Madonna foi eleita pela MTV americana e outros veículos de mídia da época como a artista da década. O escândalo, mais uma vez, rendeu imensa popularidade à uma das artistas que melhor souberam se utilizar da mídia e do marketing para promover sua imagem e som.


A produção do disco ficou dividida entre Madonna e seus parceiros produtores/compositores Patrick Leonard (geralmente responsável pelas baladas do álbum) e Stephen Bray (que ficou a cargo das faixas mais funky desta coleção) e ainda contou com a participação especial de Prince, que tocou vários instrumentos e ainda dividiu os vocais e os créditos de “Love Song”. Em linhas gerais, Like a Prayer é um marco que redefine os limites do Pop, com as letras mais confessionais que Madge escrevera até então. “Express Yourself” é um hino feminista, que aponta para que as mulheres jamais devem se satisfazer com a possibilidade de ficar em segundo plano. “Oh Father” e “Promise to Try” são duas baladas tristíssimas e respectivamente dedicadas ao seu pai e à sua mãe. Já “Keep it Together”, parceria dela com Bray, é uma ode à toda sua família (a Pop Star possui um total de sete irmãos e meio-irmãos).




Like a Prayer rendeu seis singles de sucesso para Madonna: “Like a Prayer”, “Express Yourself”, “Cherish” – que contou com um videoclipe antológico em preto e branco dirigido pelo fotógrafo de moda Herb Ritts), “Oh Father”, “Dear Jessie” (cantiga infantil dedicada à filha de Patrick Leonard) e “Keep it Together”. “Till Death Do Us Part” é uma mensagem clara e feroz ao já ex-marido Sean Penn, “Spanish Eyes” toca no ainda tema tabu da AIDS, que já tinha começado a dizimar milhares de pessoas ao redor do mundo e “Act of Contriction” mistura trechos da Bíblia Sagrada com monólogos de Madonna com a guitarra de Prince e lobos de vocalises do Andrae Crouch Choir (que cantou na faixa-título) em dois minutos e dezenove segundos de delírio religioso.






A partir de 1989, o mundo passou a olhar para Madonna não apenas como uma mulher que realmente tinha o poder de influenciar pessoas, mas principalmente como o de uma Pop Star que iria mudar o mundo. Like a Prayer foi a jogada fundamental para que Madge redefinisse as noções de imagem e entretenimento: quem quisesse fazer parte deste mundo, deveria seguir os rastilhos de pólvora deixados por esta baixinha saída de Bay City, Michigan, para invadir as casas de todo o planeta e rezar o seu credo.


Por isso, prepare os seus ouvidos e o seu coração e ouça/veja/sinta a Paixão segundo Madonna…

TROVA # 94

A RAINHA MARATONISTA


"Does it feel that your life's become a catastrophe 
Oh, it has to be for you to grow, boy..."
(Richard Davies & Roger Hodgson, 1979)


Para D. Elizabeth, minha mãe, no dia dos seus 60 anos. 

Em mais de uma década e meia como estudante e professor de Literatura, fui desafiado a interpretar textos e personagens dos mais diversos. Nenhum destes, entretanto, é mais desafiador para mim do que uma personagem da vida real, a mais importante de todas elas, diga-se de passagem. Escrever sobre esta personagem é tão desafiador quanto escrever um Projeto de Doutorado, por exemplo...
Minha mãe, D. Elizabeth, tem nome de rainha. Personalidade fortíssima. Dela herdei os olhos castanhos e o sorriso que faz os olhinhos encolherem de felicidade. Não sei se a inspiração para os meus avós maternos escolherem o nome dela foi para homenagear a Rainha da Inglaterra ou Liz Taylor. Ao contrário do que o nome sugere, nunca sentou soberana em um trono com um cetro na mão: sempre batalhou como a melhor das operárias para o bem-estar do marido, dos filhos e daqueles que ela ama.
Nem sempre consegui ter a melhor interpretação de minha mãe. Em muitos momentos eu a questionei, a contestei e fiz coisas das quais eu hoje me envergonho. Ao olhar para o retrovisor do tempo e das memórias, penso na quantidade de erros que cometi e na necessidade de sempre aprender com cada um deles. Nada fácil para pessoas contestadoras, geniosas e orgulhosas como eu. Depois dos 30, nossos egos ficam em segundo plano e nos permite maior serenidade para olhar para tudo com mais honestidade.
De perto ou de longe, D. Beth nunca deixou de me apoiar naquilo que eu quisesse fazer. Sempre foi exigente com meus estudos - não seria quem eu sou hoje se não fosse por ela, que abriu mão de uma carreira em nome dos filhos. Nos tropeços e nas vitórias, sempre teve sua palavra de apoio e a torcida mais intensa. Mesmo quando eu achava que o presente era uma catástrofe e o futuro nada promissor, lá estava ela para me dizer que não deveria desistir jamais.
Pensei que minha mãe chegaria aos 60 anos como as típicas senhorinhas de antigamente: em vestidos cheirando a naftalina, com cabelos brancos e sentada em uma cadeira de balanço. Como D. Beth sempre foi preocupadíssima com saúde e bem-estar, decidiu investir seriamente para jamais atingir este velho e surrado estereótipo. E conseguiu: Betinha (para os íntimos) atingiu a marca dos 60 dando um banho em muitas mulheres da idade dela.


D. Beth descobriu a fonte da juventude aos 50, quando começou a praticar corridas. Começou com caminhadas para se livrar do cigarro; depois começou a andar mais rápido; em pouco tempo, passou a fazer corridas de 6km aos domingos; há dois anos, pelo menos, faz meias-maratonas e nos enche de orgulho. Hoje em dia, é raro para mim acordar aos domingos e NÃO encontrar fotos de D. Beth correndo para lá e para cá em cada um dos cantos do Rio de Janeiro, dando um banho de disposição em mim e em tantos outros que vivem uma vida sedentária.
Falar deste e de outros aspectos de D. Beth é muito pouco para descrever a importância dela para mim, meu Pai, meu irmão, meu sobrinho e todas as pessoas da nossa família. Minha Mãe é muito, muito mais do que isso. Acredito que ela adoraria ser lembrada daqui a 100 anos como filha, irmã, esposa, mãe, tia e avó que adorava correr maratonas. Por isso, não só desejo vida longa a ela por ela ter me carregado no ventre por nove meses e por sempre ter sido quem ela foi e é. Quero que Queen Elizabeth viva bastante para que ela possa continuar inspirando tantas pessoas por ela ser o exemplo de vida que ela é.

Nossas referências de vida devem ser homenageadas diariamente. Por isso deixo registrado em forma de crônica para que ela sempre possa se lembrar do filho mais velho, que gostava de escrever desde bem criança...