16 de outubro de 2016

TROVA # 92

“THANK YOU, BOB!”
(alguns bons motivos para celebrar o Prêmio Nobel de Literatura de Bob Dylan)



Come writers and critics
Who prophesize with your pen
And keep your eyes wide
The chance won’t come again
And don’t speak too soon
For the wheel’s still in spin
And there’s no telling who that it’s naming
For the loser now will be later to win
Cause the times they are a-changing
(Bob Dylan, 1963)


Dentre as notícias tristes e alarmantes que tem surgido em 2016, eis que acordo no dia 13 de outubro com a surpreendente notícia de que o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura era ninguém mais, ninguém menos do que Bob Dylan! Fiquei besta com o fato de que a Academia Real de Ciências da Suécia nunca tinha concedido tamanha honra a um artista da canção. E ainda mais surpreso de que Dylan concorria com nomes de altíssimo prestígio literário como o japonês Harumi Murakami, o norte-americano Philip Roth e a brasileira Lygia Fagundes Telles – para quem eu estava torcendo, visto que o Brasil nunca tinha sido agraciado com a premiação mais elevada do circuito literário.
A justificativa da Academia Sueca para a premiação de Bob Dylan se baseia no fato (justíssimo, aliás!) dele ter criado “uma nova expressão poética na tradicional canção americana”. Creio que a genialidade de Dylan vai além disso: ele não apenas é um artista tão referencial quanto Cole Porter, George Gershwin ou a dupla Rodgers – Hammerstein; a poética de “Siñor Bob” fez da canção em língua inglesa um verdadeiro objeto de estudo, de discussões acadêmicas de polêmicas individuais. Sem contar que a influência de Bob Dylan sob os Beatles, os Rolling Stones, David Bowie e tantos outros é inquestionável: um novo padrão de compor canções foi estabelecido pelo mentor destes artistas. Além disto, as duplas Lennon & McCartney e Jagger & Richards jamais teriam jeito o que fizeram sem ouvirem o que o Sr. Zimmermann tem dito ao mundo por mais de meio século.


Nascido Robert Allan Zimmermann em 24 de maio de 1941 em Duluth, Minnesota, Bob Dylan abandonou a universidade e trocou os estudos pela música no início da década de 1960. Gravou cerca de 70 álbuns e já transitou por diversos estilos musicais (Folk, Rock e Standards, dentre eles) em mais de cinco décadas de atividades. É o único artista do mundo que pode ostentar um Oscar, um Globo de Ouro, um Pulitzer e agora um Nobel de Literatura. Além de cantor e compositor, é pintor, ator, roteirista, poeta (sim, gente: ele publicou um livro de poesias em 1971) e já publicou um livro de memórias – Crônicas: Volume Um (2004). E continua fazendo discos e turnês no alto dos seus 75 anos de idade e atraindo multidões para os seus shows. Um feito e tanto para um artista de sua geração em uma época na qual os mais jovens pouco se interessam em comprar discos.


Os integrantes da Academia Sueca compararam a poética de Bob Dylan ao legado de Homero e Safo. A justificativa do comitê julgador foi clara e direta: se a Literatura da antiguidade era, na verdade, feita para ser cantada, se os trovadores da Idade Média faziam poesia para ser entoada através do acompanhamento musical, qual é a razão para não reconhecer o legado do maior trovador moderno vivo? O fato dele não ter escrito romances ou mais livros de poesia? O fato dele sempre ter sido um ídolo das massas e não um queridinho das elites intelectuais? Ou o fato de Dylan não se assemelhar à figura empoeirada de um intelectual?


A turma de críticos ao ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2016 se fez presente logo depois do anúncio oficial da Academia Sueca. Os chatos acharam um absurdo a hipervalorização de um músico “entediante”. Já os pernósticos de plantão ficaram indignados com a premiação de um “artista do Rock” com o maior prêmio literário que poderia ser concedido a alguém.
Os chatos de galocha desprezam Dylan por causa de voz roufenha, antimusical e de difícil apelo popular. Apesar de reconhecerem seu indiscutível talento, acham suas canções longas demais e nada indies, ou seja, Bob Dylan pode até ser respeitado pelo vasto e consistente “conjunto da obra”, mas não é cool como Leonard Cohen, David Bowie, Iggy Pop ou o Radiohead. Nesta ala ainda há os “protecionistas da canção brasileira” que lamentam o fato de que talentos nossos do porte de Chico, Caetano, Gil e Milton (para não citar outros!) jamais seriam agraciados com um Nobel de Literatura pelo infortúnio irremediável de terem nascido brasileiros.


A turminha dos pernósticos acadêmicos, por sua vez, ficou enraivecida com o fato de Bob Dylan estar ao lado de nomes “sagrados” da Literatura Mundial como Gabriel García-Márquez, Dario Fo, Nadime Gordimer, Samuel Beckett, Alice Munro, Jean-Paul Sartre, José Saramago, Harold Pinter, Mario Vargas-Llosa, J.M. Coetzee, Toni Morrison e Pablo Neruda. Violeiro maconheiro comunista abocanhando o Nobel? E ainda sem ter escrito um romance, ensaio ou peça de teatro? Sem ter supostamente produzido uma linha sequer de literatura?
Os coleguinhas pernósticos se esquecem (ou se recusam a entender) que o gênero lírico é composto não apenas da poesia publicada nos livros (palavra escrita), como também daquela que está impressa nos encartes dos discos e é cantada pelo poeta da canção e de outros milhares que o acompanham (palavra cantada). Já os chatos de galocha desvelam o preconceito contra a voz de Bob Dylan e desconsideram a obra monumental construída por ele e que não se encaixa em nenhum dos padrões comerciais. Afinal de contas, como classificar um épico de oito minutos sobre um lendário lutador de boxe?
O prêmio de Dylan é a prova cabal de que a poética da canção deve ser definitivamente reconhecida com a mesma qualidade literária de romances, ensaios, poemas e peças teatrais. Que Mr. Zimmermann seja apenas o primeiro músico a obter a honra máxima do universo literário; assim, o preconceito e a arrogância dos que hoje se levantam contra o ganhador do Nobel de Literatura ficará restrita a círculos elitistas ou aos arquivos da história.
No final da gravação que os Rolling Stones fizeram para a “Like a Rolling Stone” que está no álbum Stripped (1995), ouve-se a voz de Keith Richards dizendo: “THANK YOU, BOB!”. E eu as repito com um complemento: “Thank you, Bob! No one desserves a Nobel Prize more than you do”...

DYLAN’S TOP 10:

 1)  Like a Rolling Stone


       2) Blowing in the Wind


     3)  Subterranean Homesick Blues


      4)  Hurricane


       5)  Lay, Lady Lay


      6)  Positively 4th Street


     7)  Knockin’ on Heaven’s Door


    8)  Forever Young


    9)  Jokerman

    10) A Hard Rain’s A-Gonna Fall



10 RELEITURAS DE DYLAN:

 1)  The Rolling Stones – Like a Rolling Stone


    2)  Blake Mills & Danielle Haim – Heart of Mine


      3)  Simply Red – Positively 4th Street


     4)  Bryan Ferry – A Hard Rain’s A-Gonna Fall


     5)  Gal Costa – Negro Amor [It’s All Over Now, Baby Blue]


      6)  Sheryl Crow – Mississippi


     7)  Phil Collins – The Times They Are A-Changin'


     8)  Guns ‘n’ Roses – Knockin’ on Heaven’s Door


     9)  The Pretenders – Forever Young

 

10) Cida Moreira – Furacão [Hurricane]



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