9 de outubro de 2016

TROVA # 91

AS LOUCURAS DA CIDADE



"Mas hoje retorna o medo das loucuras da cidade"
(Marina Lima & Antonio Cícero, 1979)


         Desde o dia em que me mudei de vez para São Paulo que eu sofria com o velho dilema de não ter transferido meu título de eleitor para poder votar nos candidatos que se propõem a “administrar” o Planalto de Piratininga. Primeiro porque sempre tive uma preguiça absurda de ir até o cartório eleitoral mais próximo e enfrentar a burocracia de horas para poder fazer o tal do meu “papel de eleitor”. Em segundo lugar, porque nunca levei muita fé no verdadeiro poder de mudança do meu título de eleitor em um país no qual as elites sempre tomaram as decisões políticas, econômicas e sociais. Por fim, não tiro a importância do voto, mas sei que ele não é o único de nossos instrumentos para lutar contra as injustiças do Brasil. Eu lanço mão de minha militância como cidadão, seja no espaço público, seja em algumas conversas privadas para poder lutar contra os desmandos dos que detém o poder.
         Não votei em Fernando Haddad para que ele se elegesse Prefeito de São Paulo em 2012. Demonstrei até uma certa preocupação pelo fato dele ter subido ao poder graças às alianças políticas duvidosas do PT de Lula com um político asqueroso da estirpe de Paulo Maluf. Por outro lado, Sampa tinha padecido por anos nas mãos de administradores irresponsáveis: Celso Pitta, José Serra, Gilberto Kassab e o próprio Maluf levaram esta cidade para um buraco sem tamanho. As gestões de Luiza Erundina e Marta Suplicy foram exemplos concretos de que o Partido dos Trabalhadores já tinha feito bastante pelos paulistanos. Apesar da força daqueles acontecimentos, acreditei na competência de Haddad e torci para que ele fizesse um bom governo.
         O Brasil adentrou uma espiral de polarização política a partir de meados de 2013. O aumento das tarifas de ônibus aqui em São Paulo foi o estopim para que jovens, trabalhadores, a classe média, a mídia e mais alguns fossem para as ruas e se rebelassem contra quase tudo que era da ordem do governo federal. Ir às ruas se tornou em uma demonstração de ousadia e desejo por revolução em uma fração de segundo. Eu me lembro de ter sido radicalmente contra aqueles protestos – afinal de contas, aquele slogan de “Dá licença, mas estamos mudando o Brasil” nunca soou muito bem para os meus ouvidos desconfiados. Nascia ali o ovo da serpente que gerou os movimentos ditos como “suprapartidários” (MBL, Vem pra Rua e outras falanges da velha direita conservadora e fascista e primas distantes da clássica TFP) e que se aliou à mídia para iniciar uma inquisição dos políticos petistas. Dilma Rousseff e seus correligionários passaram a ser o alvo da insatisfação coletiva. Fernando Haddad foi duramente criticado por ter proposto o aumento das passagens A presidenta se preocupou com a voz das ruas e chegou até a propor um plebiscito para que o povo votasse em reformas urgente, vetado pelo congresso. O prefeito recuou de sua decisão, depois de ter mostrado alguma resistência. O PT, ao contrário, não deu a devida atenção para as palavras de ordem e pagou um preço altíssimo por isso.
         Mesmo sofrendo uma série de bombardeios da mídia, Fernando Haddad fez muito mais do que constituir ciclovias em São Paulo. O trânsito, este eterno demônio paulistano, melhorou consideravelmente depois que as Marginais Tietê e Pinheiros tiveram seus limites de velocidade reduzidos a 70, 60 e 50 km / h. As mortes de paulistanos dirigindo pelas ruas e grandes avenidas diminuíram consideravelmente depois da regulação, irritando as elites e a classe média, influenciadas pelos ataques constantes do GAFE (Globo, Abril, Folha & Estadão) à gestão petista. Milhares de estudantes receberam passe livre em todos os ônibus da cidade, enquanto vários trabalhadores tiveram a opção de utilizar o transporte público graças ao Bilhete Único Mensal. Além disto, Haddad construiu mais de 400 km de ciclovias, faixas exclusivas e corredores de ônibus e regularizou o aplicativo UBER, para que tivéssemos melhores opções de táxis na capital. A classe trabalhadora deveria agradecer imensamente ao prefeito eleito para o mandato 2013-2017: o tempo gasto pelo trabalhador para ir e voltar foi reduzido em 4 horas / semana.
         Outro ponto importantíssimo da administração de Haddad foi em relação ao trato com as minorias e os movimentos sociais: incentivou o reflorescimento do Carnaval de Rua de São Paulo; abriu a Av. Paulista para os pedestres e os ciclistas aos domingos; fez excelentes políticas de apoio à comunidade LGBT (o programa “TRANSCIDADANIA” dentre eles); criou o “Braços Abertos”, que abordou a questão do consumo de entorpecentes de uma maneira muito mais humana; instalou Wi-Fi nas praças e nos ônibus, obrigou os taxistas a cobrarem tarifas através de máquinas de cartão (uma excelente medida de segurança para motoristas e passageiros); construiu creches e quase zerou a fila de espera de vagas nestas instituições; sancionou uma lei obrigando as escolas municipais a incluírem alimentos orgânicos nas merendas dos estudantes; colocou ar-condicionado, carregador de bilhete único e de celular na frota de ônibus; ampliou o horário de trânsito do transporte público (sim, podemos pegar ônibus de madrugada!).



         Em relação à eficiência dos gastos públicos, Fernando Haddad se provou como um verdadeiro trabalhador no quesito eficiência: criou um órgão de auditoria independente (a Controladoria Geral do Município); reduziu a dívida do município; recuperou cerca de 280 milhões de reais para os cofres públicos; combateu a máfia do ISS e a corrupção na cidade; aprovou o plano diretor e teve todas as suas contas aprovadas sem nenhuma ressalva. Um detalhe: Haddad jamais foi acusado de ser corrupto e possui uma trajetória idônea e limpa, ao contrário de muitos de seus colegas de partido, para não citar outros exemplos. Seu governo não foi abalado por nenhum caso de corrupção, algo louvável nos tempos de hoje.
         O fato da terceira gestão petista ter beneficiado o maior número de paulistanos enfureceu a mídia e os conglomerados midiáticos, fiadores do antipetismo e do fascismo observado nas ruas e nas redes sociais. A campanha de massificação e distorção dos fatos a favor de uma elite política mesquinha e incompetente não tinha apenas o intuito de derrubar Dilma Rousseff, como também tinha o principal alvo o prefeito da cidade mais importante do país. Conseguiram: elegeram João Doria Jr., um aristocrata, filho de uma família de escravocratas e membro do PSDB, ainda no primeiro turno das eleições municipais de 2016.


         O quinquagésimo-quarto prefeito eleito para governar a cidade de São Paulo representa a mesma política velha e carcomida que está no Governo do Estado há mais de 20 anos. Fizeram pouquíssimo pelo transporte público; não adotaram medidas para as minorias, tampouco para a educação; são frequentemente acusados de desvio de dinheiro e são coniventes e irresponsáveis com a violência crescente. A eleição de Doria não é apenas a representação do retrocesso político e social que foi instituído no Governo Federal a partir de um golpe parlamentar financiado pelo PSDB: é o fruto da irresponsabilidade das alianças feitas pelo PT no passado e da desunião das forças políticas de esquerda, impossibilitadas de pensar em um projeto coletivo para uma das cidades mais importantes do mundo. Lançaram mão do discurso populista e demagógico da “indústria da multa” e de outras falácias para conquistar o voto das periferias.
         O antipetismo encontrou ecos na classe trabalhadora, descrente no projeto inclusivo e humanista do Partido dos Trabalhadores. Os trabalhadores serão os primeiros a pagar o alto preço de terem eleito um lobista. Os abstinentes e os que votaram nulo vão, mais uma vez, sentir na carne a imprudência de não terem cumprido seu papel de eleitores. A classe média sofrerá os efeitos de um governo feito exclusivamente para as elites no próprio bolso. Não estou lançando mão do discurso tucano do “quanto pior, melhor”, mas a fala do prefeito eleito que ecoa pelos quatro cantos da mídia nos mostram uma tragédia inevitável. São Paulo deve voltar a sentir o gosto amargo das loucuras da cidade...

LEIA AQUI O PREÇO ALTO QUE SÃO PAULO IRÁ PAGAR COM A ELEIÇÃO DE DORIA: