21 de agosto de 2016

TROVA # 82



A CINDERELA DO ESPORTE
(alguns bons motivos para jamais nos esquecermos da RIO 2016)




I've paid my dues
Time after time.
I've done my sentence
But committed no crime.
And bad mistakes
I've made a few.
I've had my share of sand kicked in my face
But I've come through.

(And I need just go on and on, and on, and on)

We are the champions, my friends,
And we'll keep on fighting 'til the end.
We are the champions.
We are the champions.
No time for losers
'Cause we are the champions of the world.

I've taken my bows
And my curtain calls
You brought me fame and fortune and everything that goes with it
I thank you all
But it's been no bed of roses,
No pleasure cruise.
I consider it a challenge before the whole human race
And I ain't gonna lose.

(And I need just go on and on, and on, and on)

We are the champions, my friends,
And we'll keep on fighting 'til the end.
We are the champions.
We are the champions.
No time for losers
'Cause we are the champions of the world.

We are the champions, my friends,
And we'll keep on fighting 'til the end.
We are the champions.
We are the champions.
No time for losers
'Cause we are the champions.
(Freddie Mercury, 1977)


         O mês de agosto de 2016 tem nos trazido boas notícias também. Há duas semanas que o Rio de Janeiro tem vivido dias de glória com a trigésima-primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Sem grandes tragédias até aqui (pelo menos as não noticiadas pela mídia), o que é bastante louvável para uma cidade que estava à beira do colapso nas vésperas da abertura das Olimpíadas.
         Pensei em boicotar os Jogos, com raiva profunda do Governo do Estado e da Prefeitura do Rio de Janeiro, que faliram as finanças do Estado em prol do evento e fazendo pouco dos cariocas, que sempre batalharam tanto em meio à violência, a beleza e o caos. Pensei no boicote por estar profundamente revoltado com a situação política gravíssima de nosso país, que não quer lidar com o fato de que houve sim, de fato, um golpe político que dizimou a democracia e o mandato de uma presidente eleita. No entanto, foi preciso levar em consideração que há muitos outros que não possuem culpa da tragicomédia chamada Brasil – sim, me refiro aos atletas: eles não merecem nosso boicote...
         Apesar de não ser um entusiasta da prática pessoal dos esportes (mais uma prova de que eu sou a ovelha negra da família, pois tenho um irmão Professor de Educação Física e minha mãe virou maratonista de energia inesgotável após os 50 anos de idade, só para citar dois exemplos), acho bastante admirável ver a disposição de alguns seres humanos em superar seus próprios limites físicos como uma missão de vida, em busca novos recordes, fazendo algo amado por todos os torcedores. A atividade desportiva torna-se uma escolha do lado esquerdo do peito, cujo retorno financeiro nem sempre corresponde à quantidade de privações que muitos fazem para poder treinar e competir pelos quatro cantos do mundo. Usian Bolt, Michael Phelps e Simone Biles, estrelas do atletismo da natação e da ginástica olímpica, fizeram história, viraram lendas e não meras atrações do noticiário semanal.

Usian Bolt
Michael Phelps
Simone Biles

         A cerimônia de abertura dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro foi um evento emocionante, com bastante música e mostrando para o mundo inteiro o que os brasileiros sabem fazer de melhor – dentre as coisas boas e algumas atrações de gosto bem duvidoso. Vibrei de alegria ao ver o Presidente Interino Golpista Michel Temer levar uma vaia que faria Nelson Rodrigues ruborizar de vergonha alheia dentro do Maracanã e (consequentemente) diante do mundo inteiro. A emoção de ver a tocha olímpica sendo carregada pelo estádio pelos atletas mais significativos da história de nosso esporte (Gustavo Kuerten – tênis, Hortência Marcari – basquete e Vanderlei Cordeiro de Lima – atletismo) valeu cada momento e me fez esquecer temporariamente dos absurdos que ocorreram enquanto o símbolo maior da Olimpíada passava pelas ruas do país.

Gustavo Kuerten
Hortência Marcari
Vanderlei Cordeiro de Lima

         Tem sido doloroso para mim, carioca de nascimento e paulista de coração, ficar longe do Rio de Janeiro em um dos momentos mais célebres de toda a sua trajetória. Nossos atletas têm escrito páginas belíssimas da história do esporte brasileiro através de garra e superação. Rafaela Silva, judoca negra, pobre, injustiçada, lésbica e distante dos padrões de beleza internacionais, foi a primeira judoca brasileira a conquistar uma medalha de ouro, revelando todo um passado de sofrimento e frustração e como fomos injustos com ela diante de sua eliminação nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Thiago Braz da Silva (salto com vara) conseguiu pular mais alto do que todos e se consagrou como o melhor de todos. Isaquías Queiroz dos Santos remou dentro de sua canoa como se fosse a última coisa a ser feita na vida e conquistou três medalhas olímpicas – único brasileiro a conseguir tal marca em uma única edição dos jogos. Robson Conceição derrotou um lutador cubano e leva o ouro olímpico pelo boxe. Alison Cerutti e Bruno Schmidt, aliando técnica e gigantismo, se tornaram campeões olímpicos de vôlei de praia depois de partidas eletrizantes. Arthur Zanetti subiu ao pódio pela ginástica olímpica e levou a prata. E o que dizer de Maicon Andrade, um ex-pedreiro e ex-garçom que conquistou o bronze no tae-kwon-do e da espetacular seleção brasileira de vôlei masculino que arrebatou o segundo ouro depois de quatro finais olímpicas consecutivas?! Outros exemplos não faltam e, ainda bem, não nos faltarão... 

Rafaela Silva
Thiago Braz da Silva
Isaquías Queiroz dos Santos
Robson Conceição
Alison Cerutti e Bruno Schmidt
Arthur Zanetti

Maicon Andrade
O espetacular trabalho do vôlei masculino do Brasil


         Houve alguns exemplos emocionantes de humanismo através da capacidade única do esporte em unir as pessoas. Duas ginastas, uma da Coréia do Norte e outra da Coréia do Sul (duas irmãs divididas por conflitos políticos), fizeram questão de postar juntas em uma selfie. Uma iraniana, residente na Bélgica, fez o que pode para lutar pelos direitos das mulheres de seu país ao reivindicar o direito de que a entrada dos estádios seja permitida para indivíduos de ambos os sexos. Marta e suas companheiras intrépidas da Seleção Brasileira de Futebol feminino lutaram por uma medalha como se estivessem dentro de uma batalha campal, ganhando a admiração e o respeito de muitos de nós. E um fato importantíssimo para as minorias: os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro entram para a história por ter sido o evento esportivo no qual houve a maior quantidade de esportistas que “saíram do armário” e tornaram pública a sua homossexualidade. Sinal de que os eventos esportivos, redutos do machismo e da homofobia, também fazem parte da mudança dos tempos...

A selfie das coreanas
A iraniana corajosa
O escrete feminino
O amor de duas pessoas que se amam
         Mesmo diante das dificuldades e das inegáveis falhas do evento, os cariocas se revelaram como anfitriões alegres irreverentes e infinitamente dispostos em celebrar as maravilhas do esporte. Em certos momentos, até demais: muitos reclamaram com razão do barulho ensurdecedor das torcidas que ocuparam as arenas olímpicas e os estádios, afinal o comportamento de nossas torcidas, essencialmente futebolísticas, não estão acostumadas com um comportamento mais moderado em modalidades que exigem mais concentração dos atletas, tais como o golfe, o atletismo e o tênis, para não citar outros. Ainda é preciso aprender a seguinte lição: torcer para o seu desportista ou time favorito também requer boa educação e respeito, exigindo a consciência do momento mais adequado para vaiar e aplaudir.
         Por outro lado, também não podemos esquecer dos tristes episódios ocorridos antes e durante a Rio 2016. Ainda não consigo me conformar com a onça assassinada durante a passagem da tocha pelo estado do Amazonas. Nem com a onda de protestos contra Temer e a Globo sumariamente abafados pelos policiais, impedindo a liberdade de expressão de vários brasileiros. E como lidar com o “piti” homérico de Renaud Lavillenie, o atleta de salto com vara que perdeu o ouro para Thiago Braz, e comparou a torcida brasileira com os nazistas que vaiaram o americano Jesse Owens nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936? E com a falta de respeito do judoca egípcio que se recusou a cumprimentar o adversário iraniano depois de perder uma luta? E como suportar com a arrogância de Neymar e seus coleguinhas da Seleção Brasileira de Futebol que entram em campo muito mais preocupados com seus egos, salários astronômicos e patrocínios escandalosos enquanto as meninas do futebol são altamente desvalorizadas pelo mercado e machistas de plantão? E como compreender a falsa denúncia do nadador norte-americano Ryan Lochte e seus amigos à polícia carioca alegando roubo em um claro episódio de bandidagem e não de molecagem? A violência, aliás, continuou a dar as caras pelo Rio de Janeiro, mesmo diante da importância do evento, e não ao vitimar um soldado da Força Nacional, morto “ao defender os interesses da pátria brasileira”. Infelizmente o fair play passou longe destes casos, o que é digno de vergonha alheia.

A onça assassinada
Renaud Lavillenie
Neymar e sua turminha
Ryan Lochte

         Quando a segunda-feira do dia 22 de agosto se iniciar, nós nos lembraremos de que o Rio de Janeiro, depois de se sagrar campeão em um evento que mobilizou diversos países do mundo, estará longe de viver dias de “bed of roses” ou “pleasure cruise” descritos por Freddie Mercury à frente do Queen. O Rio deixará de ser a Cinderela do esporte mundial para voltar a ser a velha gata borralheira violentada por bandidos traficantes e que vestem terno e gravata em busca de votos para continuar saqueando os cofres públicos. A Força Nacional, os turistas, os atletas estrangeiros e a imprensa internacional se distanciarão como o “Raio Bolt”, enquanto nós teremos de nos voltar para as agruras de um Estado falido, que não paga seus policiais e vive uma crise sem precedentes em termos de segurança pública. A realidade retornará à rotina dos cariocas. Cabe a cada um de nós (eu me incluo, evidentemente!) sair em busca da autoestima e lutar para que a “Cidade Maravilhosa” continue a fazer jus à sua enorme beleza.