5 de junho de 2016

TROVA # 72

“RIO É AMOR”
(ou “Eu não sei dizer / nada por dizer”...)

Foto: Nilton Serra

Falam de Paris de LaFrance de L’Amour
Dizendo que lá tudo é bom
Mas é aqui que a gente sente
Neste Rio quente, quente
O verdadeiro hino do amor.
(“Rio é Amor”)

Brasil, quem te vê e te conhece
Nunca mais de ti se esquece,
E te traz no coração
(“Inspiração”)

(Canções de Bruno Marnet gravadas por Ângela Maria e interpretadas por Ney Matogrosso em seu espetáculo Estava Escrito [1995], em homenagem à bela Sapoti)


Depois de dez anos longe do Rio de Janeiro, cidade que me trouxe ao mundo, sempre sinto uma enorme alegria é uma pontinha de tristes quando faço o caminho do “retorno às origens”. Em primeiro lugar porque a Cidade Maravilhosa se tornou cada vez mais estranha para mim – apesar de toda a sua indiscutível beleza; em segundo lugar, porque vejo o Rio em um dos momentos mais críticos de toda a sua existência.
Foto: Nilton Serra

A felicidade de poder realizar o lançamento de meu primeiro livro nesta cidade é algo pelo qual ainda não sei descrever com exatidão. Poder compartilhar a fina flor do seu trabalho com os meus conterrâneos e cariocas de coração é simplesmente gratificante. Uma honra. Um bálsamo. Uma grande realização pessoal. Um desejo realizado. Porém, ao assistir o noticiário matutino nos informando o andar da carruagem pelos lados de cá, me deu uma preocupação enorme. Tudo bem que o que está sendo dito por aí era algo que já constatava pelos jornais e pelas redes sociais dos amigos e conhecidos, mas ver o discurso na prática foi (e tem sido) bem doloroso.

Foto: Nilton Serra

         A segurança pública nas ruas é praticamente inexistente – a Polícia anda tão desaparelhada ao ponto de membros da sociedade se verem obrigados a arrecadar dinheiro para comprar bicicletas para que os policiais possam ajudar a manter a ordem (isso porque estamos falando dos bairros mais centralizados). O sistema local de saúde ainda é o retrato do caos e do descaso dos poderosos com as camadas mais humildes da população carioca. Vários museus – e boa parte do patrimônio cultural da antiga Capital Federal – se encontram em um estado digno de pena enquanto o portentoso e belo Museu do Amanhã expõe as nossas contradições a céu aberto, ao lado da eternamente imunda Baía de Guanabara. Os servidores públicos e a Educação se encontram reféns de um Estado moral e financeiramente falido enquanto muitos se preparam para receber os Jogos Olímpicos de 2016: escolas ocupadas, servidores em greve e sem perspectivas de reajuste salarial enquanto muitos se preocupam em saber por onde anda a Tocha Olímpica...

Foto: Nilton Serra

         Em contrapartida, a ocupação das escolas estaduais e do palácio Gustavo Capanema tem nos demonstrado que a insatisfação dos cariocas com os rumos que a cidade e o país vem tomando é bem gritante. Os manifestantes declararam que não pretendem recuar não for solucionado enquanto o impasse em relação à educação, ao (brevemente) extinto Ministério da Cultura e ao Governo Federal ilegítimo de Michel Temer. Em meio ao luxo e ao lixo, aos que possuem muito e aos que mal conseguem se sustentar com o pouco que têm em mãos, palavras de ordem se encontram escritas e pichadas por muitos cantos da cidade. O Rio de Janeiro ainda é sinônimo de amor, apesar de tanto descaso de seus governantes em relação aos cariocas. Os hinos de amor se apresentam através de protestos políticos e que pedem mais carinho pela Cidade Maravilhosa amada por tantos...

Foto: Nilton Serra

Bem, parece que o Cristo Redentor não tem encontrado muitos motivos para ficar de braços abertos para nós. No entanto, as belezas da Cidade Maravilhosa estão protegidas pelos artistas eternizados em forma de estátua – Drummond e Braguinha estão em Copacabana para nos alumiar com a sua irreverência e sua poesia; Clarice Lispector e Tom Jobim podem ser (re)encontrados no Leme e em Ipanema para que possamos lhes pedir a bênção e proteção. Fazer este périplo era uma obrigação para um escritor amador e em início de carreira como eu.

Nós & Clarice

         Passar um final de semana prolongado no Rio de Janeiro em um momento tão crítico para lançar um livro sobre um grupo que é a maior representação de liberdade em forma de música é de uma ironia tremenda. Na verdade (e digo isso sem a menor pretensão), é algo necessário em meio ao “purgatório da beleza e do caos” gigantesco que muitos cariocas estão vivendo. Tenho a esperança de que as canções do Secos & Molhados sejam um alento e um incentivo não apenas para que a crença na luta por dias melhores ainda esteja viva, como também possibilite o simples prazer de fazer algo de bom para os outros...

Foto: Nilton Serra

PAUSA PARA O COMERCIAL:

Nosso livro no Moviola Bistrô
Foto: Vinícius Rangel

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Lançamento do Livro O Doce & O Amargo do Secos & Molhados: poesia, performance e política na música brasileira no Rio de Janeiro 
Foto: Nilton Serra