11 de novembro de 2016

TROVA # 97

A ESCURIDÃO FINAL DE LEONARD COHEN


Em memória de Leonard Cohen (1934-2016)

"Há uma rachadura em tudo. 
É assim que entra a luz"
(Leonard Cohen)

"There's a blaze of light
In every word
It doesn't matter which you heard
The holy or the broken Hallelujah"
(Leonard Cohen)



Outubro de 2010. Estava em um evento organizado pela Cambridge University Press para professores de inglês em um dos teatros mais bacanas de São Paulo. Uma palestra sobre a pronúncia do idioma. Mais um dos infinitos compromissos de trabalho a serem cumpridos a favor da velha e (in)cômoda preocupação com o meu "professional development".


A apresentação de Jeff Stranks se tornou definitivamente mais interessante quando ele tocou um trecho de um show lendário que tinha sido gravado na Arena O2, em Londres, para explicar um caso de elisão fonética, se não me engano. Stranks perguntou aos presentes se alguém conhecia o artista que se apresentava. Silêncio ensurdecedor e constrangedor. Indignação minha e desapontamento do Professor...


Morri de vergonha ao saber que a única pessoa que tinha noção de quem era Leonard Cohen, além do palestrante, era eu. Não apenas pela suposta ignorância de meus colegas de profissão, mas principalmente por Cohen ter sido um dos maiores artífices da língua inglesa contemporânea. Seus versos fizeram da canção em língua inglesa algo muitíssimo mais apurado e sofisticado.


Foi no dia em que saí daquele evento, 15 de outubro de 2010, em que decidi o seguinte: a obra de Leonard Cohen merece ser mais ouvida. Inclusive por mim. De lá para cá, decidi comprar alguns de seus discos e pude testemunhar a retomada de uma das carreiras musicais mais criativas da história da música: três álbuns de estúdio em quatro anos - Old Ideas (2012), Popular Problems (2014) e You Want it Darker (2016) - em um total de quatorze discos.


Durante este período, Leonard voltou aos olhos do público através de extensas turnês. Não apenas porque tinha a obrigação contratual de divulgação de novos trabalhos, mas também pelo fato de ter sido roubado por uma ex-empresária que lhe deixara sem um tostão sequer para contar história. As excursões para o poeta eram verdadeiros pretextos não só para conhecer novos amigos e manter os laços com velhos conhecidos, além da doce sensação de poder reencontrar o seu público. Leonard Cohen, com mais de 75 anos de idade, fazia shows de mais de QUATRO horas de duração, ora tocando seu violão, ora segurando seus belíssimos chapéus fedora em suas mãos, sempre vestido em ternos e gravatas elegantíssimos.


A música de Leonard refletia a elegância de seu criador: reflexões poéticas profundas sobre a vida, o sexo e o cotidiano, com direito às musas que fizeram de seu cancioneiro algo reconhecido no mundo inteiro. Ele é tão importante quanto Bob Dylan ou Joni Mitchell. Um potencial ganhador de um Nobel de Literatura, principalmente por ter escrito poemas, romances e canções belíssimas. Quem não se angustiou com o sofrimento de "The Gypsy's Wife" (escrita para a ex-mulher, Suzanne Elrod, mãe de seus dois filhos)? Ou quem não se encantou com "So Long, Marianne" (canção a qual Leonard homenageava Marianne Ilhen, um de seus maiores amores)? E quem não chorou junto com ele ao ver as imagens do belíssimo documentário Bird on a Wire, de Tony Palmer, no qual o próprio Leonard Cohen se emocionava com a plateia de um show em Israel que não se cansava de pedir mais um encore?


You Want it Darker, seu último disco, foi lançado um mês depois do aniversário de 82 anos de seu criador. Um marco surpreendente para quem já tinha vivido e trabalhado tanto; afinal, lançar um CD em meio à tanta informação de tudo quanto é qualidade no início do século XXI depois de décadas de estrada é de uma ousadia tremenda. Apesar deste trabalho tratar da morte em sua essência, não imaginava que Leonard Cohen iria nos abandonar menos de um mês após o lançamento de seu décimo-quarto disco de estúdio. 


Por outro lado, em uma de suas últimas linhas entrevistas, Leonard afirmou que já estava pronto para a morte. As canções de You Want it Darker deixam bem claro de que se tratava de uma despedida. Não quis me atentar para este fato. E muitos dos fãs e admiradores de Leonard Cohen, eu creio. Afinal, ele sempre se desculpava perante o público por não estar morrendo. Ele estava vivo, em plena atividade musical e produzindo como nunca para alguém acima da faixa etária dos 80 anos de idade.


O criador de "So Long, Marianne" nos deixou outra pista de seu estado precário de saúde em julho de 2016, quando uma carta para sua ex-namorada Marianne Ilhen, já no seu leito de morte, viralizou por toda a Internet. Disse Leonard a uma de suas musas inspiradoras:


"Bem Marianne, chegou a hora em que estamos realmente velhos e nossos corpos estão sucumbindo e eu acho que irei te seguir muito em breve. Saiba que estou tão perto atrás de você que se você estender a mão, eu acho que consegue alcançar a minha. E você sabe que eu sempre te amei por sua beleza e por sua sabedoria, mas eu não preciso dizer mais nada a respeito disso porque você sabe tudo a respeito. Agora eu só quero te desejar uma viagem muito boa. Adeus velha amiga. Amor sem fim, te vejo mais à frente."


Perder Leonard Cohen em 10 de novembro de 2016, quatro meses depois de sua amada Marianne, é um golpe fatal, sem tamanho para a humanidade. Não apenas pela impossibilidade de podermos assistir uma apresentação ao vivo deste grande artista visionário, mas principalmente por saber que não vislumbraremos as coisas a partir de sua visão de mundo privilegiada. Principalmente em um ano no qual o mundo perdeu artistas do porte de David Bowie, Prince e George Martin. Leonard, grande sábio e imortal artista, estava pronto para aceitar a finitude. Nós, mortais e comuns, não estamos. Precisamos de filósofos, poetas e demais artistas e pensadores para entender este mundo cada vez mais cruel. 


Uma parte de nossas esperanças em um mundo melhor se vai com o corpo de Leonard Cohen com uma enorme tristeza. A outra parte? Fica por aqui, dançando ao som de violinos, com medo e buscando um mínimo de segurança, insistindo e dando murros em pontas de facas tentando achar a poesia em um cotidiano medíocre e desapaixonado. Até o fim do próprio amor...



Thank you for your art, Dear Leonard. Thank you very very much...



Leonard Cohen & Joni Mitchell
k.d. Lang & Leonard Cohen

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