9 de novembro de 2016

DISCOS DE VINIL # 6

ELZA SOARES – 
A MULHER DO FIM DO MUNDO (2015)


“A mulher do fim do mundo
Dá de comer as roseiras,
Dá de beber às estátuas
Dá de sonhar aos poetas.

A mulher do fim do mundo
Chama a luz com assobio
Faz a viagem virar pedra,
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos
Escreve cartas aos rios,
Me puxa do sono eterno
Para os seus braços que cantam.”
(“Metade Pássaro” – Murilo Mendes, 1941)

Existem atores shakesperianos que precisam viver uma vida inteira para poder possuir envergadura suficiente para encarnar personagens do porte de um Rei Lear, Próspero ou Macbeth. Se refletirmos acerca dos nomes que compõem esta velha e esgarçada instituição chamada de “MPB”, de seus respectivos legados e de suas histórias, concluímos que Elza Soares é a mulher que viveu mais intensamente em nossa canção popular: seus 50 e poucos anos de atividades, seus dramas, seus desafios, seus discos e suas desgraças lhe deveriam conferir uns 350 anos a mais além dos 78 anos de idade declarados e/ou 85 possivelmente vividos até 2015. Em suma: Lady Elza é uma das artistas com a maior experiência em nosso meio para cantar o que se produz na cena musical contemporânea com dignidade.
O compasso atual da humanidade implicou a implosão irremediável do universo tal qual o conhecíamos: ilusões, utopias e quaisquer resquícios de sentimentalismo romântico foram estilhaçados de maneira infeliz e irremediável. Para anunciar, cantar e nos livrar da letargia destes tempos, Elza Soares foi proclamada pela produção musical do baterista, percussionista e produtor musical Guilherme Kastrup, pela direção musical de Celso Sim e por um grupo brilhante de compositores e músicos como a intérprete de A Mulher do Fim do Mundo, álbum lançado pela ex-musa de Garrincha no início de outubro de 2015.
O lançamento deste CD apresenta alguns marcos históricos dignos de registro: é a primeiríssima vez em que Elza gravou um álbum apenas com canções inéditas, além de ser o primeiro disco de estúdio da lendária cantora em doze anos – não ouvíamos nenhuma coleção de gravações inéditas suas desde Vivo Feliz (2003). A Mulher do Fim do Mundo reúne 11 canções assinadas por José Miguel Wisnik, Romulo Fróes, Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Marcelo Cabral, Clima, Celso Sim, Cacá Machado, Alice Coutinho, Douglas Germano, para não citar outros nomes. Cada obra reflete as belezas e as tristezas do Brasil do século XXI entoadas por uma das artistas mais revolucionárias que este planeta já ouviu.
A abertura do disco, “Coração do Mar”, é um poema do modernista Oswald de Andrade musicado por José Miguel Wisnik. A voz de Elza Soares surge sem nenhuma espécie de acompanhamento musical, já deveras desgastada pela passagem cruel e inevitável do tempo, que lhe rendeu cicatrizes indeléveis e fez com que se tornasse a fênix musical tão respeitada e reverenciada pelo público. O “pedaço de sangue” cantado por Elza se apresenta através de “sentinelas equipagens, estrelas, taifeiros, madrugadas e escolas de samba” que se resumem em um navio humano que é negreiro é guerreiro neste mangue solitário ao qual chamamos de vida. A personagem que vai narrar as dores e visões a serem apresentadas nesta obra monumental se revela por completo através da dor exposta em “Mulher do Fim do Mundo”, canção assinada por Romulo Fróes e Alice Coutinho. O quarteto de cordas, a voz firme da intérprete definitiva de “Se Acaso Você Chegasse” (Lupicínio Rodrigues) aliados ao compasso do samba triste demonstra que a dama que está diante de nós chora de imensa dor através de cada verso que canta, a partir de cada verdade que é exposta:

“Meu choro não é nada além de carnaval
É lágrima de samba na ponta dos pés
A multidão avança como um vendaval
Me joga na avenida que não sei qual é

Pirata e super homem cantam o calor
Um peixe amarelo beija a minha mão
As asas de um anjo soltas pelo chão
Na chuva de confetes deixo a minha dor

Na avenida deixei lá
A pele preta e a minha voz
Na avenida deixei lá
A minha fala, minha opinião
A minha casa, minha solidão
Joguei do alto do terceiro andar
Quebrei a cara e me livrei do

Resto
Dessa
Vida
Na avenida
Dura
Até
O fim

Mulher
Do fim
Do mundo
Eu sou
Eu vou
Até o fim
Cantar”


As lágrimas choradas por Elza Soares refletem a experiência de uma mulher de uma força praticamente inabalável, com uma vontade incansável de cantar até que o último facho de luz a nos iluminar se apague de vez. Tudo isto será mais do que necessário para o enredo descrito pela terceira faixa do CD – e primeiro single de A Mulher do Fim do Mundo -, a incendiária “Mulher da Vila Matilde” (Douglas Germano). Esta insólita e deliciosa mistura entre punk e samba é uma sátira mordaz ao machismo e uma crítica virulenta à violência doméstica sofrida por tantas e tantas mulheres que necessita(ra)m da Lei Maria da Penha para garantir a sua integridade física e moral. A canção assinada por Germano nos adverte que se a Maria da Penha é brava, a Maria do bairro paulistano da Vila Matilde está longe de brincar em serviço quando o assunto é porrada:

“Cadê meu celular?
Eu vou ligar prum oito zero
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço

Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar

Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: – Péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você comer
Na frente dos vizinhos
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim…”


O punk-samba de Douglas Germano nos remete aos clássicos da malandragem entoados pelo saudoso Moreira da Silva em meio a distorções sonoras e batidas eletrônicas. Todavia, Elza Soares subverte a lógica da pilantragem e da típica música de fossa – a primeira apresenta a figura masculina em infinita vantagem, enquanto a segunda nos traz a mulher como vítima de desencontros amorosos – ao encarnar uma figura feminina que não apenas denuncia os males concebidos e cometidos pelo seu agressor com ironia, bom humor e inteligência, ela se vinga dele das piores maneiras que lhe convém:

“… E quando o Samango chegar
Eu mostro o roxo no meu braço
Entrego teu baralho
Teu bloco de pule
Teu dado chumbado
Ponho água no bule
Passo e ofereço um cafezim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

E quanto tua mãe ligar
Eu capricho no esculacho
Digo que é mimado
Que é cheio de dengo,
Mal acostumado
Tem nada no quengo,
Deita, vira e dorme rapidim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim.”

A faixa que sucede “Mulher de Vila Matilde”, “Luz Vermelha” (Kiko Dinucci & Clima), é o melhor momento de A Mulher do Fim do Mundo. A fusão de sonoridades distintas se faz através do diálogo furioso das guitarras de Dinucci e Rodrigo Campos, da percussão precisa de Felipe Roseno, das batidas secas da bateria de Guilherme Kastrup e da dicção vocal inconfundível de Elza. A letra de Clima retrata um universo em estágio avançado de decomposição e abandono. Quem sobreviver a este mundo apocalíptico em putrefação está fatalmente condenado à solidão e ao desencanto permanente:


“Telhado agora é porão tira de cima de mim esse pedaço de pedra
Me dá um abraço que o chão se abriu debaixo de nós e até o coxo tropeça
Bem que o palhaço falou que o laço vai se fechar e o laço sempre se fecha
Bem que o anão me contou que o mundo vai terminar num poço cheio de merda

Quem tinha tudo na mão quem não prestou atenção quem tem tamanco não sobra
Quem tem cabeça e pulmão bexiga rim coração já vai pulando na cova
Quem é doente do pé, o pai de todos quem é, cadê o rei da cocada
Tá na quebrada quebrou e o mundo todo afundou no dia da pá virada

Do meio-dia no meio dia do tiroteio
Me deu receio do feio que veio lá
De ficar velho no meio do mundo inteiro
Me deu receio da bomba que vou soltar

Quem tem cadarço não sobra
Quem tem um pão pra comer
Quem tem cadarço não sobra
Meu amor
Meu amor

Olha, não tem ninguém na rua
Não vi ninguém no açougue
Não tem ninguém lá pra abandonar
Olha, não tem ninguém na praça
Só tem um sol sem graça
Não tem ninguém pra ver e contar.”

Os versos desta canção foram abertamente influenciados por uma das películas mais significativas da sétima arte no Brasil: O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla. A pedido de Kiko Dinucci, a letra foi “encomendada” com o intuito de expor as vísceras dos trópicos entristecidos de um país absurdo. Clima encontrou em Sganzerla a matéria-prima para retratar a angústia, a solidão, a aspereza e a desesperança dos grandes centros urbanos, que oprimem fatalmente os sujeitos através do uso amplo, irrestrito e implacável da lei do mais forte sob os mais fracos.


Se o digníssimo leitor/ouvinte aguarda alguma balada romântica ou algum samba alegre e feliz em A Mulher do Fim do Mundo, é melhor deixar esta ideia de lado. O apocalipse segundo Elza Soares, como já podemos perceber, está longe de apresentar quaisquer sinais de romantismo. A canção que retira de vez por todas a inocente esperança dos mais desavisados é “Pra Fuder”, de Kiko Dinucci:

“Olho pro meu corpo
Sinto a lava escorrer
Vejo o próprio fogo
Não há força pra deter

Me derreto tonta
Toda pele vai arder
O meu peito em chamas
Solta a fera pra correr

Unhas cravadas
Em transe latejo
Roupas jogadas no chão
Pernas abertas
Te prendo num beijo
Sufoco a sofreguidão

Meu temporal me transforma em loba
Presa, você vai gemer
Feito um cordeiro entregue pra morte
Seu sussurrar a pedir:

Pra fuder! Pra fuder! Pra fuder!”


Em um novo lance de ironia, percebemos mais uma vez a figura feminina no controle de uma situação na qual era o homem quem determinava as regras e os papéis a serem desempenhados, ou seja, é a mulher quem decide a ocasião e o momento mais convenientes para praticar – vejamos bem: não o ato de fazer amor, não o ato de fazer sexo, mas o ato de FODER. O pioneirismo e a ousadia de Elza Soares são os ingredientes perfeitos para que a interpretação desta ode descarada ao tesão composta brilhantemente por Dinucci e temperada pelo violão do autor (que nos remete ao estilo inconfundível de João Bosco) e pelos metais em fúria absoluta do Bixiga 70. A pele em chamas e as unhas afiadas da loba perigosa encarnada por Elza são os estandartes que sepultam definitivamente o machismo na canção brasileira.
A sexta faixa de A Mulher do Fim do Mundo é fruto de uma colaboração coletiva de Celso Sim com Pepê Mata Machado, Joana Barossi e Fernanda Diamant. “Benedita” conta a saga de uma intrépida travesti em meio aos percalços e armadilhas da noite. Ao contrário do que o nome próprio sugere – Benedito é nome de santo, nos remete a bondade, típico e comum de negros tementes das leis de um Deus cristão -, a protagonista é o retrato de uma negra marcada pela marginalização de um sistema que ainda não reconhece os integrantes das comunidades LGBT com o devido respeito. Tal qual o Nego Dito de Itamar Assumpção (cujo nome ficcional completo era Benedito João dos Santos Silva Beleléu), Benedita também tinha os seus embates com a polícia:

“Benedito não foi encontrado
Deu perdido pra tudo que é lado
Esse nêgo que quebra o quebranto
Filho certo de tudo que é santo

Benedito é uma fera ferida
Traz na carne uma bala perdida
E uma bala de prata guardada
Pro meganha incauto, arremata
Arremata, arremata, arremata…”

A “fera ferida” que surge em uma esquina perigosa da noite escura está longe de possuir as feridas apontadas por uma famosa canção de Roberto Carlos. Os metais do Bixiga 70 e as guitarras de Kiko Dinucci e Rodrigo Campos conseguem dar o tom de suspense necessário à trama policialesca protagonizado por um(a) herói/heroína de atributos incomuns:

“… Ele que surge naquela esquina
É bem mais que uma menina
Benedita é sua alcunha
E da muda não tem testemunha

Ela leva o cartucho na teta
Ela abre a navalha na boca
Ela tem uma dupla caceta
A traveca é tera chefona

Benedita, da zona, é o crack
(é o crack, é o crack, é o crack)
A poliça, a miliça e o choque
Na surdina preparam o ataque
(é o crack, é o crack, é o crack)
Ela jura que era um achaque
Na bocada os clientes só rock
Ela morre, ela mata, ela é craque
(ela é craque, ela é craque, ela é craque
Ela é craque, craque, craque)

Homicida, suicida, apareceu, aparecida
É maldita, é senhora, é bendita, apavora
Vem armada, não rendida, faz do beco sacristia
Crack agora, não demora, joga pedra, nessa hora.”


Por fim, a Rainha do Crack trava uma batalha implacável contra aqueles que representam a moral, os bons costumes e o controle social imposto por um Estado de Direito retrógrado e extremamente conservador. Benedita não é um simples retrato de um indivíduo que habita às margens do que entendemos como “avanço social”, ela é a representação de nossa hipocrisia, de nossa covardia e, principalmente, de nossa conivência em relação às minorias sexuais no Brasil. Elza Soares conseguiu traduzir este universo de desilusão e violência com bastante naturalidade, ao narrar a rapsódia sangrenta de uma travesti, resultando em um dos números mais marcantes de A Mulher do Fim do Mundo.


A sétima canção do CD é um dos momentos mais leves e descontraídos desta coleção. “Firmeza?!”, de Rodrigo Campos, conta com a participação especial do compositor nos vocais. O encontro de Rodrigo, um talento musical surgido em São Mateus (bairro da Zona Leste de São Paulo) com a experiente artista oriunda da favela de Vila Vintém (situada em Padre Miguel, um dos berços sagrados do samba carioca) foi marcado pelo bom humor e pelo delicioso contraste de gírias que vai muito além das eternas picuinhas entre paulistas e cariocas. O arranjo de metais do Bixiga 70 dialoga harmoniosamente com as pick-ups do DJ Marco e com as vozes de Elza e Campos:


“Beleza, mano?
Fica com Deus
Quando der a gente se tromba
Firmeza?!

Pena que o corre é mil grau
Pena que o corre é mil grau
Pena que o corre é mil grau
Pena que o corre é mil grau

Você é meu irmão, moleque
(Você é minha irmã, menina)
Você é meu irmão, moleque
(Você é minha irmã, menina)

Eu tô feliz com teu sucesso
Eu tô feliz com teu sucesso
Muito feliz com teu sucesso
Eu tô feliz com teu sucesso

E manda um beijo pra menina
E manda um beijo pra menina
E manda um beijo pra menina
E manda um beijo pra menina”

O tango “Dança” (Cacá Machado & Romulo Fróes) trata de vida e morte sem rodeios ou presenças de metáforas elaboradas. Elza Soares deseja ter a possibilidade de driblar o tempo, de renascer após cada golpe aplicado pela vida, de bailar pela existência sem o pavor do sofrimento inevitável da dor e da decepção que afligem a nossa carne sofrida:


“Daria a minha vida
A quem me desse o tempo
Soprava nesse vento
A minha despedida
Debaixo dessa terra
Não me interessa
O movimento
Debaixo do cimento
Não tenho pressa
Não há quem queira dançar
Mas se eu me levantar
Ninguém irá saber
E o que me fez morrer
Vai me fazer voltar

Melhor ficar aqui
Pra que mentir?
Tem diferença
Mais cedo do que penso
Vou desistir
Não há quem queira dançar

Deixo a chuva que derruba o céu lavar
Lavo a carne que ainda tem no osso
Sinto o osso antes dele se quebrar
Abro a tampa e deixo a dança entrar no corpo.”

“O Canal”, de Rodrigo Campos, dá prosseguimento ao disco com uma narrativa citando o Imperador Alexandre III da Macedônia (historicamente conhecido como “Alexandre, o Grande”) e os personagens fictícios Chico, Alessandra e Mané, que estão a cavar um canal próximo ao Mar Egeu, sob a vigilância implacável do Império:


“Chico, Alessandra e Mané vão a pé, vão a pé
São sete léguas de chão, meu irmão, meu irmão

Cavoucando o chão de sal
São três horas da manhã
Alessandra não vai bem
Sente o brilho do farol de Alexandre O Grande

Dizem que o grande Alexandre escreveu sobre um rio
Um canal subterrâneo no Egeu, em Aydin

Cavoucada o chão de sal
São três horas da manhã
Alessandra não vai bem
Sente o brilho do farol de Alexandre O Grande…”

As vidas descritas em “O Canal” foram devoradas pela desilusão gerada pela repressão, pela vontade de grandeza e pelo ímpeto eterno da ganância. Tais quais as personagens de Tchekhov, as existências de Chico, Alessandra e Mané estão fadadas ao fracasso, à morte simbólica antes do corpo decretar o fim de suas atividades, o que não deixa de ter uma certa semelhança com as milhares de existências dedicadas à subserviência de fazendeiros e coronéis brasileiros, por exemplo. Elza consegue cantar tamanho desespero com o lamento e a pontinha de esperança sugeridas pela letra de Rodrigo Campos:

“… Almas perdidas navegam o rio, o canal
Eternamente navegam o rio vertical

Alessandra já morreu
Mas precisa acreditar
São três horas da manhã
Vê o brilho do farol de Alexandre O Grande.”

A penúltima faixa de A Mulher do Fim do Mundo, “Solto” (Marcelo Cabral & Clima) conta com belo arranjo de cordas de Marcelo Cabral e a voz serena e firme de Elza Soares. A solidão é a única presença a nos acompanhar diante do fim, a sombra a nos conduzir ao destino incerto e inevitável que nos aguarda a qualquer momento, depois de amanhã ou daqui a 200 anos:

“Solto
Quase outro
Corpo
O meu corpo
Caminha
Sozinho sem você (sem)
Nada perto
Torto
É tão certo
Caminha
Na minha sombra
Clara
Reta
E com
pleta
mente
rara
Sem você

Solto
Quase morto
Corpo
O meu corpo
Caminha
Na minha sombra.”


A Mulher do Fim do Mundo completa, enfim, sua jornada. Ao contrário de “Coração do Mar” – iniciado em meio ao silêncio no qual apenas se ouvia a voz de Elza Soares – “Comigo” (Romulo Fróes & Alberto Tassinari) se inicia com ruídos e distorções ensurdecedores, dando-nos a sensação de um universo em plena destruição. Para a caminhada final, Elza sentencia que lega consigo o seu bem mais precioso: dentro de seu coração, ela carrega seu bem mais precioso, o mesmo que lhe possibilitou a origem:


“Levo
Minha mãe
Comigo
Embora
Se tenha ido

Levo
Minha mãe
Comigo
Talvez
Por sermos tão parecidos

Levo
Minha mãe
Comigo
De um modo
Que não sei dizer

Levo
Minha mãe
Comigo
Pois deu-me
Seu próprio ser.”

Em um universo de estrelas de música Pop efêmeras e (pretensiosamente) flamejantes, este álbum de Elza Soares será relembrado pelos seres humanos até o fim de nossa existência coletiva neste plano. No instante em que apenas as criaturas das espécies mais peçonhentas estiverem no mundo para testemunhar o que o homem fez de melhor e de pior com o planeta que o gerou, a voz de Elza estará ecoando pelos quatro ventos para quem estiver de corpo presente.
A Mulher do Fim do Mundo é muito mais do que um grande álbum: é o melhor lançamento de 2015 e, arrisco dizer, o mais importante CD dos anos 2010 e um dos trabalhos mais antológicos já realizados por artistas brasileiros em todos os tempos. É o retrato fiel dos excluídos, das desilusões, dos párias que a sociedade insiste em expelir de seu convívio desde sempre. Elza consegue dar voz a todos estes seres por também ser um deles, por ser um de nós, e é por isso que nenhuma artista pertencente à nossa bem-dotada galeria de cantoras poderia ter gravado este disco. Só Elza Soares teria este poder. E ela o utiliza com uma propriedade impressionante...



A primeira versão deste texto foi publicada no site Pequenos Clássicos Perdidos em 11 de dezembro de 2015:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário!