20 de março de 2016

TROVA # 66

A CORAGEM E A OUSADIA DE MOTHER MONSTER
(algumas coisinhas sobre Lady Gaga)

Lady Gaga com o Globo de Ouro de Melhor Atriz graças ao seu maravilhoso trabalho em American Horror Story.


My whole career is a tribute to David Bowie
(Lady Gaga, 2016)

MISS YOU, STARMAN!

A partida repentina de David Bowie para o outro plano provocou reações diversas e surpreendentes por parte da mídia e do público. No entanto, foi a manifestação da classe artística como um todo que mais me comoveu: Bowie era uma fonte de inspiração de músicos de tribos completamente distintas como Lorde e o Red Hot Chilli Peppers. Mick Jagger escreveu um texto sentimental e belíssimo (a emoção extrema é algo incomum para o frontman dos Rolling Stones) sobre o velho amigo, ex-vizinho e rival musical. Madonna dedicou suas legendas mais apaixonadas em sua conta no Instagram à memória do artista que mudou sua percepção diante dos palcos e da vida. Annie Lennox demostrou sua maravilhosa inteligência ao falar do arauto que modificou a relação entre homem e arte. Por outro lado, de todas estas vozes que se ouviram para louvar o Starman, foi a de Stefani Joanne Angelina Germanotta – conhecida por nós como Lady Gaga – que gerou mais controvérsias entre todos os amantes de música.

Madonna definiu David Bowie como um artista talentoso, único, genial, alguém que mudou as regras do jogo da música Pop. Madge nunca teve tanta razão...

MICK JAGGER & DAVID BOWIE



Comecei a prestar atenção na mocinha pouco tempo depois do seu surgimento diante dos olhos do planeta. Parecia extremamente promissora no que diz respeito à ousadia e cara de pau para fazer música, além de ser uma profunda conhecedora das ferramentas e clichês do universo Pop. A ambição e o relativo oportunismo de Mother Monster, sua tosca bizarrice e a permanente vontade de chamar a atenção do público passaram a me irritar de tal maneira eu cheguei a entrar no coro que dizia que “Born this Way” era cópia descaradamente mal feita de “Express Yourself”. O jogo de Gaga virou para mim logo depois do inteligente Artpop (2013) e quando Tony Bennett entrou em cena para nos revelar a cantora extraordinária que Lady Gaga é: a gravação dela para “Ev’ry Time We Say Goodbye” é literalmente arrebatadora.

Gaga ao lado de Cher, na ocasião em que a primeira vestiu o ultra controverso "meat dress" em uma entrega do MTV Music Awards.


Apesar de cantar sem a menor desfaçatez que vivia para sentir o sabor e o frescor do aplauso, Lady Gaga se revelou como uma força distinta das cantoras Pop pelo simples fato de que possui mais voz e ousadia do que todas elas juntas. Não recorre a playbacks, autotunes ou outros efeitos eletrônicos que mascaram a pobreza da preparação vocal de suas colegas de profissão. Pelo contrário: seu talento transparece no fato de que ela não busca, por exemplo, a (impossível) eterna juventude de Madonna ou as caras, bocas e coreografias de Beyoncé, ou o farofismo e a falsa inocência (super infantil) de Katy Perry e Taylor Swift. Gaga sabe a diferença do Pop rasteiro e barato de sua geração e das canções que fizeram de eventos como The Sound of Music, Like a Prayer e The Rise and Fall of Ziggy Stardust & The Spiders from Mars capítulos essenciais da cultura popular de todos os tempos.


Resumo da ópera: se antes associávamos Ms. Germanotta à Madonna da mesma maneira que o fazíamos ao dizer que Beyoncé era uma versão dos anos 2000 de Diana Ross à frente (ou não) das Supremes, é preciso rever nossos conceitos e admitir que a fonte de tanta ousadia, cara de pau e determinada genialidade vem do legado do artista mais inventivo de todos os tempos: DAVID BOWIE!



Acho de uma injustiça muito grande cobrar de uma jovem artista (Gaga atinge a marca dos 30 anos de idade em 28 de março de 2016) a genialidade de um homem que foi profundamente autêntico em tudo que fez. Na verdade, vejo uma maldade imensa dos detratores da moça ao criticarem o tributo que ela fez ao legado de Bowie na quinquagésima-oitava cerimônia de entrega dos Grammys. Muitos fãs do Starman, se pudessem, teria ofertado Ms. Germanotta aos leões ou à fogueira por ter cometido tamanha heresia com o repertório alheio. Duncan Jones, filho mais velho do Mestre, enxergou um “entusiasmo excessivo” de uma pessoa “mentalmente confusa”. Infelizmente a maldade de muitos foi muito mais ampla do que a ambição de Lady Gaga em ser respeitada e reconhecida por todos.


A apresentação de Lady Gaga contou com a direção musical de Nile Rodgers – que, graças ao seu eterno toque de Midas, fez de Diana Ross, Madonna e do próprio David Bowie estrelas de primeira grandeza através de álbuns fundamentais de qualquer discografia Pop como Diana (1980), Like a Virgin (1984) e Let’s Dance (1983). A jovem Pop star conseguiu reunir as mais distintas personae do Camaleão Inglês em seus seis minutos de apresentação ao juntar “Space Oddity”, “Rebel, Rebel”, “Changes”, “Ziggy Stardust”, “Fashion”, “Fame”, “Heroes”, “Let’s Dance” e “Under Pressure” em um medley esfuziante. Ao rever a apresentação de Gaga e compará-la com a homenagem feita por Lorde e os ex-companheiros de banda de Bowie no Brit Awards, percebi uma sinceridade e uma devoção muito mais intensas no que foi apresentado na Cerimônia de Entrega do Grammy.



De qualquer modo, utilizar a figura de David Bowie para massacrar a de Lady Gaga é um ledo engano. Enquanto Ms. Germanotta se dedicar a projetos que façam do universo Pop algo mais inteligente – o injustiçado álbum Artpop (2013) não sai do meu aparelho de som de jeito nenhum! –, ela será digna do meu aplauso. Afinal, a ambição e a inteligência que se convertem em coragem e ousadia são maiores do que a obviedade vislumbrada na MTV e nas paradas de sucesso da Billboard. Torço para que a moça continue a nos surpreender e encantar e, assim, levar sua música para caminhos menos óbvios e repletos de criatividade e sapiência, tal qual fez o nosso eterno e saudoso Starman



GAGA TOP 5


1. Applause


2. Born this Way


3. Judas


4. Bad Romance


5. Till It Happens to You