17 de março de 2015

TROVA # 44

UM CARTÃO DE ANIVERSÁRIO PARA ELIS REGINA


Alô, Alô, Elis querida: aqui quem fala é da Terra. Sim, pra variar, AINDA estamos em guerra...

Há muito tempo que eu estava a fim de te escrever. Como você mesma diria, sempre te achei o maior barato, bicho! Creio que desde que criei este Blog, que nasceu no trigésimo aniversário da sua partida deste plano, eu tive aquela vontade quase que escondida de te mandar este cartão de aniversário. Já escrevi um e-mail pro Vinícius de Moraes na ocasião do centenário dele, nada mais justo te escrever umas palavrinhas repletas de amor e carinho para comemorar o septuagésimo dia do seu nascimento, não é verdade?




Não lembro exatamente da data, mas tenho a certeza de que a primeira vez em que eu realmente prestei atenção na sua voz foi quando Tia Marlene, irmã do Vovô, deixou que um de seus LPs fossem passar uns tempos lá em casa há mais de 20 anos atrás - deve ter sido em 1992, quando eu tinha meus 11 anos de idade. Lado A, agulha encaixada na primeira faixa do vinil e você sai cantando "É pau, é pedra, é o fim do caminho..." pelos quatro cantos daquele apartamento de dois quartos na Ilha do Governador e me arrebata no seu "Dois pra lá, Dois pra cá". Que uísque com guaraná porra nenhuma, eu só queria deixar você literalmente deitar e rolar para poder cantar e dar risada com o seu Quaquaraquaquá! Meu amor pela sua voz, sua interpretação, sua garra e sua história de vida foi tão arrebatador que tornou-se uma referência imprescindível para qualquer coisa que eu faço. Afinal, o exercício do viver é nada mais, nada menos do que aprender a jogar, como disse a velha canção.



Podemos dizer que você foi a primeira cantora que anunciou a modernidade da canção com o seu "Arrastão" e os seus braços-hélices que não tinham medo de fazer com que você soasse como uma mistura insólita de Lennie Dale e Ângela Maria diante de milhões de telespectadores. Poucas cantoras conseguem interpretar clássicos da canção brasileira com tanta propriedade como você o fez com "Vida de Bailarina" e "Inútil Paisagem". "Atrás da Porta" se tornou, eu diria, a melhor canção sobre ressentimento e vingança jamais escrita e cantada por alguém graças à sua interpretação irretocável. Dom? Talento? Trabalho árduo? Obsessão pela perfeição? Ou tudo junto?





No decorrer desses 20 e poucos anos que eu me encanto pelo valor inestimável do Brilhante que é o seu canto, passei a ter uma ideia bem clara das duas décadas mais turbulentas da história brasileira recente: a de 1960 e a de 1970. Não creio que alguém cantou as contradições do Brasil com tanta veemência e sinceridade como você o fez. E para isso, tu juntaste gente da pesada para a sua turma: Antônio Carlos Jobim, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Fátima Guedes, Renato Teixeira, Guilherme Arantes, Sueli Costa, Ivan Lins & Vitor Martins, João Bosco & Aldir Blanc, dentre tantos outros gênios. Guria, tu não perdeste tempo!!!




Artistas como você não existem iguais pelos seguintes motivos: 1) Porque "cantora" é um termo muito injusto para descrever você, pois você via o ato de cantar como uma espécie de devoção, um sacerdócio para que, através de cada acorde, de cada nota, se fizesse das tripas sentimento; 2) Porque você é tão autêntica, mas tão autêntica que eu tenho dúvidas de que nasça uma mulher neste país que tenha mais personalidade do que a tua! Digo tudo isso utilizando o Presente do Indicativo porque concordo plenamente com o que disse o Nelson Motta sobre você e as "colegas" das novas gerações: "Toda vez que eu ouço uma nova cantora, eu tenho certeza de que Elis Regina canta ainda melhor". Sábio Nelsinho: ele deixa claro para todos que todas as cantoras do Brasil devem pensar mais de mil vezes antes de gravar algo que já tenha recebido a voz de Elis Regina...





Infelizmente tu partiste num rabo de foguete ou talvez em um trem azul para virar a maior de todas as nossas estrelas lá no céu há mais de 30 anos. Não ouviste boa parte da música que se fez nos anos 1980, não assististe a democratização do Brasil, não recebeste o reconhecimento necessário em vida por tudo o que fizeste pela nossa música. Sempre me pergunto o que Elis Regina diria ou estaria pensando nos dias de hoje em meio a tudo que vivemos em nosso país hoje. Talvez você apenas cantasse aqueles versos da "Cartomante": "Nos dias de hoje é bom que se proteja / Ofereça a face pra quem quer que seja / Nos dias de hoje esteja tranquilo/ Haja o que houver pense nos seus filhos // Não ande nos bares, esqueça os amigos / Não pare nas praças, não corra perigo / Não fale do medo que temos da vida / Não ponha o dedo na nossa ferida".








Para celebrar os 70 anos de teu surgimento, minha cara Elis Regina, quero me lembrar da sua risada, das suas opiniões inteligentes e da falta gigantesca que você faz para a Cultura Brasileira! Graças a você, aprendemos que viver é realmente um barato! Por isso, como a nossa esperança é equilibrista, tal qual você detectou através da obra de João e Aldir, é imprescindível que o show de todo o artista tenha que continuar! E se depender de mim, sempre haverá espaço para a sua voz enquanto voz eu tiver...

Com todo o carinho e a admiração do mundo do seu querido

Vinil