31 de março de 2015

TROVA # 45

A FÚRIA E OS BEIJOS
(ou uma declaração de amor a todas 
as formas de amor na telenovela brasileira)

Nathália Timberg & Fernanda Montenegro: duas damas das artes cênicas brasileiras em cena do primeiro capítulo de Babilônia (2015).


OS BEIJOS

O beijo no sofá
O beijo no harém
Um beijo na estação de trem

O beijo de amor
O beijo sem tesão
O de reconciliação

O beijo das canções
O beijo das araras
O beijo de aflições e taras

O beijo que se dá
O beijo que se ganha
O beijo da mulher-aranha

Tem beijo devoção
Também beijo-troféu
O beijo-artigo-de-bordel

Um beijo após a missa
"me beija", diz a moça
Um beijo dado assim à força

Um beijo o que é real
O outro é sonhador
E beija o pôster do cantor

Um beijo sua mão
O outro o corpo inteiro
O time beija seu goleiro

De beijo no bebê
A mãe dá mais de cem
Mas beijo-crime também tem

Um beijo em paris
O beijo do cartaz
Um beijo o outro rapaz

O beijo no escuro
O beijo à meia-luz
O beijo nos pés de jesus

Um beijo e lambe a pele
Um morde e causa dor
O beijo diz como é que eu tô

O beijo da serpente
O beijo no asfalto
Um beijo no meio do mato

O beijo que oferece
O beijo que ofende
O beijo azul do happy end

O beijo da chegada
O beijo despedida
Um beijo com sabor de vida

Um beijo em sigilo
O beijo da novela
Os beijos que eu já dei nela

Um beijo
Os beijos

(Pedro Luís na voz e interpretação de Elba Ramalho)





Confesso publicamente: sou fã de telenovelas! Faço parte daqueles cidadãos que, quando podem, ligam a TV na Vênus Platinada às nove da noite ou corre para o YouTube ou no site do novelão do momento para rever cenas inesquecíveis ou para descobrir as últimas peripécias de personagens X, Y ou Z quando (eventualmente!) não consigo assistir determinado capítulo. As séries de TV estrangeiras me parecem até interessantes em alguns momentos, porém nada como um folhetim bem brasileiro para chamar a atenção de pessoas com déficit de atenção como YO - e neste quesito, a Rede Globo, com boa parte do seu elenco e de seus escritores, consegue resultados impressionantes...

Novela, invariavelmente, era assunto de família: não só porque minha Mãe, como toda housewife que dedica alguns de seus momentos de lazer ao exercício de ser telespectadora, como também meu Pai recentemente parava tudo para ver "as últimas tiradas do Félix (personagem inesquecível do Mateus Solano). A irmã mais velha de Meu Avô Adhemar, Tia Maria, era tão fã de folhetim que a televisão ficava ligada religiosamente no canal 4 a partir da novela das 6 até o fim do (antigo) novelão das oito da noite! Ai de quem falasse na hora da novela perto do Tio Luiz, seu esposo implacavelmente rabugento: era puto instantâneo... Como consequência, durante o jantar, não escapamos a perguntas antológicas que o Brasil teve de responder, por exemplo: "Quem é o assassino em série de A Próxima Vítima?", "Quem explodiu o shopping de Torre de Babel?", "Com quem a Viúva Porcina fica no final de Roque Santeiro?", "Quem será a próxima amante do fotógrafo Jorge Tadeu em Pedra Sobre Pedra?" e o clássico de Vale Tudo "Quem matou Odete Roitman?".

Lembro claramente de ter visto novelas na TV desde quando me entendo por gente. Roque Santeiro, Vereda Tropical, Roda de Fogo, Fera Radical, Top Model, O Outro, Sassaricando, Vale Tudo, Bebê a Bordo, Que Rei Sou Eu?, O Salvador da Pátria, Tieta, Rainha da Sucata, O Dono do Mundo, Pedra Sobre Pedra, Lua Cheia de Amor, Pátria Minha, A Indomada, Perigosas Peruas, Deus nos Acuda, A Viagem, Quatro por Quatro, A Próxima Vítima, Suave Veneno e Torre de Babel são exemplos que eu lembro com clareza de capítulos na época em que foram ao ar! Não só por causa de cenas antológicas, como também por causa das trilhas sonoras que meus pais sempre tinham em LP ou em K7 para ouvir no carro - minha memória se tornou extremamente musical em sua grande parte por causa das novelas de TV e este patrimônio nenhum Downton Abbey, com todo o meu respeito, vai me trazer...

Entretanto, meu apetite pelos folhetins diminuiu um pouco quando entrei na idade adulta e constatei a falta de variações entre as tramas que surgiam na televisão - isso se não considerarmos a pobreza das novelas Made in Mexico, que beiravam os limites do absurdo e do bom gosto. Foram pouquíssimos os momentos em que parei diante da telinha para prestar atenção em uma telenovela e isso  acontecia quando havia vilanias memoráveis no vídeo, tais como a inesquecível Nazaré Tedesco de Renata Sorrah (Senhora do Destino), a malvada Bia Falcão encarnada por Fernanda Montenegro (Belíssima), a Flora e a Ângela Mahler interpretadas por Patrícia Pillar (A Favorita / O Rebu), a falsa boazinha Clara vivida por Mariana Ximenes (Passione), a antológica Carminha de Adriana Esteves (Avenida Brasil) e o pérfido e atormentado Félix (Amor à Vida). Os vilões pareciam ser personagens mais repletos de humanidade do que os ditos "mocinhos" da ficção, o que me dava uma irritação garantida, ao contrário das gargalhadas garantidas com as estripulias das maldades e trapalhadas dos que remavam contra a maré...

A Rede Globo de Televisão conseguiu revelar autores de telenovelas de grande competência e que fizeram do gênero uma verdadeira obra de arte. Silvio de Abreu, Janete Clair, Aguinaldo Silva, João Emanuel Carneiro, Licia Manzo e Gilberto Braga são alguns destes mestres que abordaram temáticas que, em alguns momentos, levaram o povo brasileiro a rever seus conceitos e parâmetros em relação a uma série de mitos que envolvem nossas relações. Afinal, a novela consegue ter o poder de discutir tabus que nem o cinema, nem a literatura, nem a filosofia, por exemplo, conseguiriam discutir com a mesma rapidez com mais de 200 milhões de brasileiros que estão com a televisão ligada às 21h30min!


Babilônia, novela da autoria de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, estreou em março de 2015 e tem tudo para já pertencer a uma galeria de clássicos do gênero: cenas fortes, um texto provocador e temas incendiários - hipocrisia, corrupção, prostituição, assassinato, ninfomania, adultério, estelionato e outros vícios que corrompem a alma do brasileiro... No entanto, escândalos foram criados em torno de uma das cenas mais leves e singelas da trama: o momento no qual as personagens de Fernanda Montenegro (Teresa Petrucelli) e Nathalia Timberg (Estela Marcondes), duas SENHORAS DE IDADE trocam um beijo apaixonado. A bancada evangélica no Congresso Federal, aliada aos seus rebanhos contidos nos templos espalhados pelo país, começou uma campanha ostensivamente agressiva de boicote contra a novela nas redes sociais e na Capital Federal.

Este episódio revela algumas questões bem interessantes: 1) Realmente, muitos políticos brasileiros encontram-se em um nível de pobreza intelectual, moral e ética tão grande para se preocuparem com uma novela da Rede Globo diante de tantos problemas GRAVES que existem no Brasil hoje; 2) Os eleitores (e fiéis e gaiatos inocentes) que compram a briga da ala mais conservadora do Congresso Federal desde 1964 refletem o quanto que precisam se informar a respeito de pautas tão antidemocráticas como esta, que colocam a democracia de nosso país em sério risco; 3) Um beijo pode ser algo definitivamente revolucionário, visto que incomoda tanta gente...

Mateus Solano & Thiago Fragoso protagonizaram o primeiro beijo entre dois homens que a TV brasileira levou ao ar.



Em contrapartida à onda reacionária que atirou atrizes do porte de Fernanda e Nathália na fogueira sem a menor piedade e respeito, surgiu um contra-ataque de setores mais esclarecidos (na qual este humilde Blog se inclui) da sociedade brasileira em apoio à classe artística e à Babilônia. Gostaríamos de deixar claro apenas que não há a intenção de aniquilar a chamada "família tradicional" e sim de dar oportunidades para que outras modalidades de família possam ser legitimadas ao levarmos em conta uma série de direitos e deveres pelos quais todos possuímos. Novela é coisa de família, sim: da família que possui um pai é uma mãe, a que possui dois pais ou duas mães e por aí vai... Por isso, lutaremos para que possamos ver beijos para todas as pessoas na telinha da TV. Afinal, para cada encostar apaixonado de lábios, há o recuo da fúria dos hipócritas e oportunistas de plantão...


17 de março de 2015

TROVA # 44

UM CARTÃO DE ANIVERSÁRIO PARA ELIS REGINA


Alô, Alô, Elis querida: aqui quem fala é da Terra. Sim, pra variar, AINDA estamos em guerra...

Há muito tempo que eu estava a fim de te escrever. Como você mesma diria, sempre te achei o maior barato, bicho! Creio que desde que criei este Blog, que nasceu no trigésimo aniversário da sua partida deste plano, eu tive aquela vontade quase que escondida de te mandar este cartão de aniversário. Já escrevi um e-mail pro Vinícius de Moraes na ocasião do centenário dele, nada mais justo te escrever umas palavrinhas repletas de amor e carinho para comemorar o septuagésimo dia do seu nascimento, não é verdade?




Não lembro exatamente da data, mas tenho a certeza de que a primeira vez em que eu realmente prestei atenção na sua voz foi quando Tia Marlene, irmã do Vovô, deixou que um de seus LPs fossem passar uns tempos lá em casa há mais de 20 anos atrás - deve ter sido em 1992, quando eu tinha meus 11 anos de idade. Lado A, agulha encaixada na primeira faixa do vinil e você sai cantando "É pau, é pedra, é o fim do caminho..." pelos quatro cantos daquele apartamento de dois quartos na Ilha do Governador e me arrebata no seu "Dois pra lá, Dois pra cá". Que uísque com guaraná porra nenhuma, eu só queria deixar você literalmente deitar e rolar para poder cantar e dar risada com o seu Quaquaraquaquá! Meu amor pela sua voz, sua interpretação, sua garra e sua história de vida foi tão arrebatador que tornou-se uma referência imprescindível para qualquer coisa que eu faço. Afinal, o exercício do viver é nada mais, nada menos do que aprender a jogar, como disse a velha canção.



Podemos dizer que você foi a primeira cantora que anunciou a modernidade da canção com o seu "Arrastão" e os seus braços-hélices que não tinham medo de fazer com que você soasse como uma mistura insólita de Lennie Dale e Ângela Maria diante de milhões de telespectadores. Poucas cantoras conseguem interpretar clássicos da canção brasileira com tanta propriedade como você o fez com "Vida de Bailarina" e "Inútil Paisagem". "Atrás da Porta" se tornou, eu diria, a melhor canção sobre ressentimento e vingança jamais escrita e cantada por alguém graças à sua interpretação irretocável. Dom? Talento? Trabalho árduo? Obsessão pela perfeição? Ou tudo junto?





No decorrer desses 20 e poucos anos que eu me encanto pelo valor inestimável do Brilhante que é o seu canto, passei a ter uma ideia bem clara das duas décadas mais turbulentas da história brasileira recente: a de 1960 e a de 1970. Não creio que alguém cantou as contradições do Brasil com tanta veemência e sinceridade como você o fez. E para isso, tu juntaste gente da pesada para a sua turma: Antônio Carlos Jobim, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Fátima Guedes, Renato Teixeira, Guilherme Arantes, Sueli Costa, Ivan Lins & Vitor Martins, João Bosco & Aldir Blanc, dentre tantos outros gênios. Guria, tu não perdeste tempo!!!




Artistas como você não existem iguais pelos seguintes motivos: 1) Porque "cantora" é um termo muito injusto para descrever você, pois você via o ato de cantar como uma espécie de devoção, um sacerdócio para que, através de cada acorde, de cada nota, se fizesse das tripas sentimento; 2) Porque você é tão autêntica, mas tão autêntica que eu tenho dúvidas de que nasça uma mulher neste país que tenha mais personalidade do que a tua! Digo tudo isso utilizando o Presente do Indicativo porque concordo plenamente com o que disse o Nelson Motta sobre você e as "colegas" das novas gerações: "Toda vez que eu ouço uma nova cantora, eu tenho certeza de que Elis Regina canta ainda melhor". Sábio Nelsinho: ele deixa claro para todos que todas as cantoras do Brasil devem pensar mais de mil vezes antes de gravar algo que já tenha recebido a voz de Elis Regina...





Infelizmente tu partiste num rabo de foguete ou talvez em um trem azul para virar a maior de todas as nossas estrelas lá no céu há mais de 30 anos. Não ouviste boa parte da música que se fez nos anos 1980, não assististe a democratização do Brasil, não recebeste o reconhecimento necessário em vida por tudo o que fizeste pela nossa música. Sempre me pergunto o que Elis Regina diria ou estaria pensando nos dias de hoje em meio a tudo que vivemos em nosso país hoje. Talvez você apenas cantasse aqueles versos da "Cartomante": "Nos dias de hoje é bom que se proteja / Ofereça a face pra quem quer que seja / Nos dias de hoje esteja tranquilo/ Haja o que houver pense nos seus filhos // Não ande nos bares, esqueça os amigos / Não pare nas praças, não corra perigo / Não fale do medo que temos da vida / Não ponha o dedo na nossa ferida".








Para celebrar os 70 anos de teu surgimento, minha cara Elis Regina, quero me lembrar da sua risada, das suas opiniões inteligentes e da falta gigantesca que você faz para a Cultura Brasileira! Graças a você, aprendemos que viver é realmente um barato! Por isso, como a nossa esperança é equilibrista, tal qual você detectou através da obra de João e Aldir, é imprescindível que o show de todo o artista tenha que continuar! E se depender de mim, sempre haverá espaço para a sua voz enquanto voz eu tiver...

Com todo o carinho e a admiração do mundo do seu querido

Vinil