10 de novembro de 2014

TROVA # 40

A ARTE DO DESENCONTRO


Vinícius (não este quem vos escreve), o Poeta, proclamou que viver é a arte do encontro, apesar da quantidade infindável de desencontros que existem nesta vida. Aos contatos positivos, chamamos de encontros. Aos negativos, tratam-se de infelizes acidentes de percurso. Como toda caminhada tem direito ao seu fim, o mesmo deve acontecer com os encontros e os acidentes de percurso. Daí, os desencontros: alguns se fazem necessários para a nossa evolução enquanto seres humanos; outros não necessariamente, pois deixam de  nos agregar qualquer tipo de valor positivo...


Desenlaces me provocam reações das mais variadas: risos de alívio em alguns momentos, choros de amargura em outros, um ódio mortal e uma vontade de esfregar umas duas ou três verdades na cara do desafeto em questão, além da inevitável sensação de libertação de algo que deixa de fazer parte do seu cotidiano. Chorar a perda de algo é até importante, sofrer por alguns dias a dor do desenlace também é relevante. Viver em estágio de sofrimento constante por causa daquilo que já foi é inconcebível. É como a velha a roupa que um dia foi colorida e hoje é um mero conjunto de cores desbotadas manchando um pano velho: fantasma de um passado de glória...


Em um mundo no qual convivemos com seres humanos o tempo todo, torna-se impossível não colhermos dissabores pelo caminho. A interação humana também se dá na base da frustração. Os infelizes acidentes nos trazem obstáculos que nos obrigam a extrair limonadas saborosas de limões podres. Certos encontros - que um dia nos proporcionaram coisas boas e podem deixar de nos trazer carinho e conforto - provocam profundas decepções.


As decepções surgem de onde menos esperamos: elas surgem de uma presença amigável, aparentemente inofensiva e que supostamente te quer bem. São estas falhas graves que nos trazem cicatrizes profundas na alma. A cicatrização, por vezes, é lenta. No entanto, ela precisa ser feita aos poucos e de forma gradual, sem olhar para trás...


Cole Porter, autor de algumas das canções mais belas que este mundo já ouviu, dizia que nós morremos um pouco quando dizemos adeus. Não consigo discordar de tamanha inteligência a respeito do comportamento humano. Chorar e pensar nos porquês de dizermos adeus nos ajudam com a cicatrização, por mais estranhas que as mudanças possam nos parecer. É através da dor que aprendemos as maiores lições de vida e de onde podemos nos expressar da maneira mais íntegra e coerente com os nossos princípios.


Patti Smith, por exemplo, retratou o impacto da perda repentina e precoce de seu marido, Fred "Sonic" Smith, em uma das canções mais singelas e líricas que ela jamais escreveu. Em "My Madrigal", Patti deixa de ser a Musa dos Punks para se converter uma mulher que acreditava no amor "até que a morte nos separassem".


Já o pianista e compositor Antônio Adolfo, em entrevista recente, confidenciou que sua famosa canção "Teletema" também retrata a despedida de alguém que se foi inesperadamente. Neste caso, uma ex-namorada do próprio Adolfo, falecida em um acidente de carro. Uma maneira bastante simples, delicada e singela de se despedir de um encontro memorável. Djavan, por outro lado, fez um samba memorável para celebrar a suposta perda de um amor: “Flor de Lis” (a única canção que me encanta em seu cancioneiro), é de uma tristeza tão absurda, mas tão absurda que emociona o maior dos insensíveis...



Por outro lado, os acidentes de percurso devem ser celebrados em grande estilo quando eles deixam de cruzar o nosso caminho. Uma das interpretações mais notáveis de Frank Sinatra, "One for My Baby (And One More for The Road)", reproduz uma conversa imaginária entre um homem abandonado por uma mulher e um barman. O que resta a um ser humano, deixado de lado por uma paixão avassaladora, por volta de três horas da manhã quando tudo o que lhe resta é chorar o abandono? Pedir mais uma dose dupla e compartilhar as mágoas com alguém para que a longa estrada seja menos pesarosa de se trilhar. 


Porter, Patti e Adolfo falaram da despedida de um encontro. Sinatra se refere a um mero acidente de percurso que deixa de existir. Chorar diante de ambos os tipos de desenlace é estritamente normal. Fazer com que a saudade e a decepção deixem de nos atormentar através da melancolia e do rancor é praticar a arte do desencontro.



Compartilho do mesmo pensamento do qual o Poetinha dizia sobre si mesmo diante da vida: "Morro ontem" e "Nasço amanhã". Como a arte do desencontro é um jogo, por vezes muitíssimo perverso, o segredo para que sejamos bons jogadores é que possamos a aprender a jogá-lo: espero aprender a fazer isto bem um dia...
Enquanto isso, eu festejo o fato de que, tal qual o Poeta de quem eu herdei o mesmo nome, não ando só. Sempre estarei em boa companhia. Primeiramente, a companhia imprescindível da minha presença e da minha paz de espírito...