Canções
que levaram São Paulo para os ouvidos (e para as memórias) das pessoas
“Garoa do meu
São Paulo,
-Timbre
triste de martírios-
Um negro vem
vindo, é branco!
Só bem perto
fica negro,
Passa e torna
a ficar branco.
Meu São Paulo
da garoa,
-Londres das
neblinas finas-
Um pobre vem
vindo, é rico!
Só bem perto
fica pobre,
Passa e torna
a ficar rico.
Garoa do meu
São Paulo,
-Costureira
de malditos-
Vem um rico,
vem um branco,
São sempre
brancos e ricos...
Garoa, sai
dos meus olhos.”
(Mário de Andrade)
Terra da garoa? Planalto de
Piratininga? Paulicéia Desvairada? Túmulo do Samba? Selva de Pedra? Terra do
café? Afinal de contas, o que é a cidade de São Paulo?!?!?!
São Paulo é tudo isso e muito mais: uma
cidade que instiga sentimentos de todos os tipos: paixão, raiva, amor, ódio,
desprezo, admiração, descuido, carinho... Desde que eu me entendo por adulto,
eu tenho nutrido sentimentos positivos pela cidade que me oferece régua e
compasso desde 2006. Trocar o sol e a irreverência do Rio de Janeiro pela garoa
e a correria de São Paulo foi, sem dúvida nenhuma, a mudança mais radical que
eu fiz em toda a minha vida – na verdade, foi o início oficial de minha jornada
como adulto. Como tantos outros, sou
Paulista de coração e com muito orgulho!
Os sons que se ouvem por aqui ecoam
pelo concreto que faz de São Paulo a cidade mais urbana do Brasil. As canções
que se fizeram sobre o Planalto de Piratininga falam sobre como é viver em um
espaço repleto de contradições, de semáforos, de opostos, de prédios e do
trânsito mais insano da América do Sul. Em outras palavras, são versos e sons
que retratam o que é viver em pleno caos
urbano.
Em homenagem à nossa cidade, aqui vai
uma lista de 10 canções sobre São Paulo das quais gostamos muito:
10) “Amanhecendo” (Billy Blanco)
São Paulo não é como Nova York, que
nunca dorme, mas é uma cidade que acorda cedo e dorme muito tarde.
“Amanhecendo”, de Billy Blanco, retrata a típica pressa de todo
paulistano. Se existe um estado de espírito que é constante de todo mundo que
vive aqui é este nosso sentimento apressado de ser e viver perante às filas e à
multidão.
9) “Deu Pane Em São Paulo” (Luiz Tatit)
Luiz Tatit, cantor e compositor de São
Paulo, é um dos músicos mais importantes do Brasil hoje. Fundou o grupo Rumo,
fez uma carreira solo magistral e
sempre retratou (com um humor bastante peculiar) a vida urbana da garoa. “Deu
Pane Em São Paulo” é uma faixa de seu primeiro disco, Felicidade (1997), e conta com a participação de alguns de seus
colegas do Rumo (Ná Ozzetti, Geraldo Leite, Hélio Ziskind) e nos avisa que
Sampa em ritmo de folia, alegria e carnaval está em pleno estado de pane.
8) “Lampião de Gás” (Zica Bergami)
Antes de Sampa se tornar esta grande
metrópole de luzes e fumaça proveniente dos milhões de veículos que trafegam
pelas ruas da cidade, muitos paulistanos inalavam o vapor que vinha dos
lampiões a gás que existiam em suas casas antes do advento da energia elétrica.
A valsa, de tom nostálgico, foi composta por Bergami em 1957 e foi gravada pela
voz imortal de Inezita Barroso no ano seguinte. A letra fala de um endereço em
um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, o Bom Retiro, que foi cena de
personagens e cenários bucólicos de uma cidade que hoje não existe mais.
7) “Paulista” (Eduardo Gudin & J. C.
Costa Netto)
A avenida mais charmosa do Brasil (e,
provavelmente, do mundo inteiro!)
está em São Paulo. Todo paulistano que se preze deve, nem que seja uma vez na
vida, andar pela Av. Paulista e admirar seus prédios, semáforos, lojas, bancas
de jornal, semáforos. Nesta avenida, vidas tomam seu rumo, negócios são feitos
e desfeitos, além de amores que vem e vão. É este o enfoque que a canção de
Gudin e Costa Netto traz através dos belos versos “Você sabe quantas noites / Eu te procurei / Nessas ruas onde andei? /
Conta onde passeia hoje / Esse seu olhar / Quantas fronteiras / Ele já cruzou /
No mundo inteiro / De uma só cidade”... Afinal de contas, não teve um compositor brasileiro que disse que “São Paulo é como o mundo todo”?
6) “Venha Até São Paulo” (Itamar Assumpção)
Itamar Assumpção é um compositor de mão
cheia! O “Jimi Hendrix da Vila Madalena” compôs várias odes musicais
homenageando São Paulo. Esta que escolhemos foi gravada por ele e por Rita Lee
em sua antológica trilogia Bicho de Sete
Cabeças (1993) e convida o ouvinte para vir até São Paulo, abençoada por
uma infinidade de santos, repleta de pressa e de gente de todas as origens e
tribos. Assim, pode-se saber “o que é bom pra tosse”.
5) “São, São Paulo” (Tom Zé)
Tom Zé é o único tropicalista em atividade
neste país. Digo isto porque ele é o artista que leva a bandeira da Tropicália
para onde quer que ele vá, sem deixar de soar saudosista e/ou datado. “São, São
Paulo”, composta em 1968, é de uma atualidade impressionante: fala de violência
urbana, de pessoas que se amam “com todo ódio” e “se odeiam com todo amor”.
Apesar de todos as imperfeições e de toda a injustiça social, é impossível não
levar São Paulo no lado esquerdo do peito, tal qual o sábio tropicalista nos
diz...
4) “Ronda” (Paulo Vanzolini)
A região central da cidade de São Paulo
guarda bares e inferninhos nos quais as paixões acontecem e as desilusões
amorosas se materializam. Nem sempre são tramas com finais felizes, são
melodramas que inspirariam qualquer episódio de A Vida Como Ela É..., de
Nelson Rodrigues. A referida canção de Paulo Vanzolini nos apresenta alguém em
busca de um amor perdido que é encontrado na boemia e na farra de um bar na
Avenida São João, reduto boêmio de Sampa. Um clássico urbano com as tintas
negras das páginas de jornal que vive para sempre nas memórias afetivas de
muitos de nós...
3) “Saudosa Maloca” (Adoniran Barbosa)
Adoniran Barbosa era um artista único
no planeta. E paulistano! Nenhum compositor retratou a vida urbana paulistana
com tanta perfeição, irreverência e inteligência melhor do que ele. “Saudosa
Maloca”, de 1955, retrata uma São Paulo que deixava de existir em prol de uma
vida urbana dominada por arranha-céus que atestam o vigor do progresso. A
escolha de palavras feitas por Adoniran reproduz a fala do paulistano da época
– um misto de Jeca Tatu com imigrante italiano... Um clássico da canção
brasileira que já foi regravado por vários bambas da MPB!
2) “Lá Vou Eu” (Rita Lee & Luiz Sérgio
Carlini)
Rita Lee Jones, em seus dias de glória
e inspiração, era uma compositora inteligente, ferina e que fazia de sua
melancolia, seu deboche e sua irreverência sua matéria-prima de uma obra
musical de altíssima qualidade. “Lá Vou Eu”, parceria de Rita com o guitarrista
Luiz Sérgio Carlini, traz um olhar de uma pessoa que vê o mundo e pensa na vida
do alto de uma janela de apartamento. Um Lado B da Rainha do Rock Brasileiro que deve ser entoado a plenos pulmões todo
dia...
1) “Sampa” (Caetano Veloso)
Quando Caetano Veloso veio a São Paulo
pela primeira vez, não conseguiu entender a “poesia concreta” das esquinas de
São Paulo. No entanto, entendeu que a boemia que pulsa na esquina da Av.
Ipiranga com a Av. São João era de uma intensidade única e compreendeu que os
contrastes que regem o Planalto de Piratininga são o seu verdadeiro charme. “Sampa”,
gravada pelo Mano Caetano em 1978, é uma das canções mais pedidas pelos fãs do
velho baiano em seus shows. Simplesmente pelo fato de ser de uma poesia
sincera, atraente, honesta e com gosto de concreto!
*
Flashback: quando São Paulo
completou 450 anos de idade, lembro-me de uma polêmica que fez de Rita Lee o
Judas do aniversário da cidade. Lembro-me de que Madame Lee tinha dito que
paulistano não sabia fazer festa e tinha criticado a decoração que Marta
Suplicy (prefeita de São Paulo, na época) tinha escolhido para a Av. 23 de
Maio: cinza! Eu estava na estreia
nacional da turnê que Rita começava naquele ano e afirmo, com todas as letras: ela não disse nada além daquilo!
Pensando bem a respeito do que Rita
Lee disse em 2004, o cinza é a cor que retrata muitíssimo bem a embriaguez de garoa
e gás carbônico que se chama São Paulo. Entretanto, se passearmos por São Paulo em uma bela tarde de sol, podemos verificar que há outras cores que dialogam com a massa cinzenta da Terra da Garoa...
“Ser uma cantora é um dom natural. Isso
significa que eu estou usando para o mais alto grau possível o dom que Deus me
deu para usar. Estou feliz com isso.”
(Aretha Franklin)
Houve uma época em que meus finais de
noite não variavam muito. Ao final de meu expediente como Professor de Inglês
em uma escola em um dos extremos da Zona Sul de São Paulo, depois de todas as
minhas aulas do dia, era necessário fazer as típicas tarefas burocráticas que
compõem a nossa rotina de trabalho. Graças à Internet (esta santa maravilha do mundo moderno) e ao YouTube (santo remédio para os carentes
de memórias musicais e referenciais artísticas femininas que vão além da Miley
Cirus, Beyoncé, Katy Perry, Selena Gomez, Lady GaGa ou outro artifício Pop feminino), eu podia executar esta
(árdua) tarefa ao som de uma das melhores autoridades no quesito CANTO em todos
os universos: Aretha Franklin!
Aretha Louise Franklin é uma dessas cantoras que
não se fazem mais nos dias de hoje. Seu canto começou a se desenvolver na Igreja
Batista na qual seu pai, C. L. Franklin era reverendo, a partir dos 10 anos de
idade. Aos 14, gravou seu primeiro disco. Aos 19, já era uma das estrelas mais
jovens da Columbia Records. Aos 25, já era proclamada The Queen of Soul e já tinha garantido seu lugar na história da
música do planeta. Aos 45, foi a PRIMEIRA MULHER a ser nomeada para o
Rock ‘n’ Roll Hall of Fame.
Aretha foi a primeira mulher a ser nomeada para o Rock 'n' Roll Hall of Fame.
Aretha Franklin
é uma unanimidade para estrelas das mais diversas no mundo da música: de Annie
Lennox a Mariah Carey, de George Michael a Adam Lambert, a Rainha do Soul é
referência máxima de excelência e integridade artística. Sua flexibilidade
vocal de mezzo soprano, sua inteligência interpretativa e seu repertório
clássico são exemplos do que existe de melhor em termos de ARTE. Não é a toa
que outras pessoas que queiram se aventurar no mundo da música queiram buscar
um pouquinho do brilho de Tia Aretha, não?
*
O retrato de uma Rainha quando jovem.
Ouvir a voz da Rainha do Soul ao final de uma
noite de trabalho intenso não faz apenas o meu viver mais digno de ser vivido.
Tal experiência me conduz de volta aos idos de 1994 e 1995, quando meu avô
Adhemar ainda era vivo. Visitar sua casa aos domingos não era apenas uma
garantia de comer o feijão inesquecível de minha avó Magaly, como também
garantia o meu direito absoluto de ouvir música de excelente qualidade.
Lembro-me muitíssimo bem quando uma série de CDs da Sony Music intitulada
Golden Collection adentrou uma das casas da rua Pinto Alpoim, na Ilha do
Governador, Rio de Janeiro: dentre estes tesouros, sucessos de Tony Bennett, Doris
Day, Johnny Mathis e, evidentemente, Aretha Franklin em sua fase Columbia!
Quando ouço a orquestra introduzir “Take a Look”, de Clyde Otis e a voz
(sofrida) de Aretha suplicando logo de cara os versos “Take a look at the mirror / Look at yourself / But don’t you look too
close / ‘Cause you just might see / The person you hate the most… (Olhe para o espelho / Veja a ti mesmo / Mas não
olhe muito perto / Pois você pode até ver / A pessoa que você mais odeia)”, sinto um
arrepio gigantesco e nunca entendi o porquê de tamanha sensação. Ao revisitar a
letra de Otis, constatei que ela perguntava a Nosso Senhor a razão dos homens
agredirem deliberadamente uns e outros – seja fisicamente, seja através das
palavras – enquanto o ódio não se
tornar a única recompensa a recebermos...
As gravações dos anos clássicos da fase
Columbia consistem em interpretações
maravilhosas do cancioneiro clássico norte-americano. Por exemplo, o disco que
Aretha gravou em homenagem a Dinah Washington no início de 1964 é de uma beleza
absurda só pelas releituras de “Unforgettable” (Irving Gordon) e “Cold, Cold
Heart” (Hank Williams). Nesta época, standards
da autoria de Hoagy Carmichael, Irving Berlin, Sammy Cahn, Burt Bachrach, Johnny
Mercer,Oscar
Hammerstein II, Harold Arlen, Cole Porter e outros foram gravados pela jovem
Aretha Franklin. Todas estes clássicos foram inclusos em um box maravilhoso
chamado Take a Look – Aretha Franklin
complete on Columbia, com a qual eu sonho ter em minha coleção em um belo
dia. Além disto, há um álbum antológico lançado por Aretha em maio de 1965 chamado Yeah!!!, no qual a filha do reverendo Franklin revira clássicos do Jazz como "Love for Sale" (Porter) do avesso. Uma pérola, um achado, uma raridade que merece ser ouvida!
*
Já a fase Atlantic deu à Aretha o definitivo reconhecimento que fez da filha
do reverendo Franklin uma lenda do soul.
As gravações incendiárias de “Chain of Fools”, “Bridge Over Troubled Water”,
“Amazing Grace”, “I Never Loved A Man (The Way I Loved You)”, “(You Make Me
Feel) A Natural Woman”, “Do Right Woman, Do Right Man”, “The Weight”, “Think”,
“I Say A Little Prayer” e “Respect” são lendárias e inesquecíveis, de uma autenticidade e
de uma intensidade que faria qualquer um do signo de escorpião ficar ruborizado
com a eletricidade envolvida em cada nota, em cada acorde, em cada vocalize, em
casa vibrato.
Lady Soul (1968) é um trabalho ESSENCIAL de Aretha Franklin! Se você ainda não o ouviu, faça-o o quanto antes...
Há dois acontecimentos
interessantíssimos sobre Lady Soul
que a jornalista Sheila Weller conta em seu delicioso livro Girls like Us. Na década de 1960, pelo
menos, Aretha Franklin era extremamente criteriosa na escolha de seu
repertório. Vários compositores queriam que a Rainha do Soul imortalizasse uma
de suas canções nos sulcos de vinil que soam e ressoam pelas casas de tanta
gente. Paul McCartney enviou, certa vez, uma canção belíssima para que Aretha
gravasse. Era um belíssimo spiritual,
daqueles típicos para serem cantados em igrejas, com direito a órgãos Hammond B3
e corais de negros ao fundo para oferecer o suporte necessário para os vocais
incendiários da Rainha. Apesar de ter gravado a canção dos Beatles, a cantora não permitiu que a gravação fosse
comercializada até o início de 1970. O mundo conheceu a tal parceria Lennon-McCartney na gravação que figura no algum This Girl's In Love with You e no derradeiro
álbum dos Beatles – o título da canção? “Let
It Be”!
A fama de exigente que Aretha ostentava
chegou a deixar compositores do porte de Carole King e Gerry Goffin inseguros
em relação à qualidade de seu trabalho. Certa vez, Gerry encontrou Jerry Wexler
(produtor de Franklin durante a fase Atlantic)
na Grand Central Station de Nova York em um belo dia nos anos 1960 e pediu para
que eles compusessem uma canção chamada “You Make Me Feel Like A Natural Woman”.
Três semanas depois, Goffin e King, temerosos diante da fama da Diva, estavam
no escritório de Wexler na gravadora com a canção em mãos para que ela fosse
gravada por Aretha, que adorou a canção do casal. Gravada em 1967 e lançada em single em setembro do mesmo ano, “Natural
Woman” se tornou em uma das marcas registradas do canto de Aretha Franklin e já
foi regravada inúmeras vezes.
*
Seja na Columbia, seja na Atlantic
(fases de Aretha das quais conheço bem), meus finais de noite se tornaram bem
mais agradáveis enquanto fazia meu diário de classe, arrumava meus livros e
meus cacarecos que levo para as
minhas aulas. Como tenho a honra de trabalhar em um local no qual as salas de
aula são equipadas com excelentes equipamentos de som, não havia sensação
melhor de deixar o som de “Chain, Chain,
Chain (Chain, Chain, Chain) / Chain of Fools” ressoar pelos corredores da
escola depois de todos os meus alunos terem ido embora para casa ao final de
cada batalha diária. Foram momentos de nostalgia e alegria que deixaram a minha
rotina muito mais interessante e rica em qualidade musical. Tudo isso graças ao
talento indiscutível de Aretha Franklin.
Aretha em foto de 1980.
Entre a dor, a tristeza, o ódio, a
desilusão, o amor e o fervor, Aretha Franklin é sempre a opção mais inteligente
entre as vozes negras norte-americanas. Vale a pena ouvir o canto desta mulher,
para que acreditemos no quanto que a música ainda tem o poder de transformar o
estado de espírito das pessoas...
Cantando para Barack Obama durante a posse do primeiro mandado do primeiro presidente negro da história dos EUA.
“Será que isto que estou te escrevendo é
atrás do pensamento? Raciocínio é que não é. Quem for capaz de parar de
raciocinar – o que é terrivelmente difícil – que me acompanhe.” (Clarice Lispector,
em seu livro Água Viva, de 1973. Rio de
Janeiro: Rocco, 1998, p.30).
Eu ainda sonho com o dia em que eu
poderei embarcar em uma máquina do tempo como o carro do filme De Volta Para o Futuro e fazer uma
temporada pelo passado. Gostaria de voltar 40 anos no tempo presente e ir para 1973. Não porque
foi um ano de glórias para a humanidade e para o Brasil – enquanto a ditadura
de Médici e seus comparsas comia livre, leve e solta por aqui, o mundo vivia a
crise econômica do petróleo, além de um clima de autoritarismo e repressão que
pairava pelos ares. Não foi um momento de glória, mas de várias tentativas de
libertação de um sistema que nos cerceava mais e mais...
A música do planeta, por outro lado,
nos trouxe momentos de pura contestação aos valores vigentes e de esperança na
humanidade. No Brasil, 1973 foi um dos anos mais revolucionários de toda a
história da música brasileira. Na cena internacional, obras-primas foram
lançadas e um reencontro marcou a memória musical de ouvidos no mundo inteiro.
Aí vai mais uma lista (repleta de
muita afetividade) de 14 motivos musicais que te fariam sonhar com uma máquina
do tempo e embarcar para 1973, este ano riquíssimo em experiências musicais:
14) Led Zeppelin – Houses
of the Holy
Depois de lançarem quarto discos que
continham apenas o nome da banda (Led
Zeppelin I, II, III e IV), os rapazes do Led Zeppelin eram autoridades de primeira
grandeza e decidiram lançar seu primeiro disco com material inédito. Entre
janeiro e agosto de 1972, gravaram várias canções para Houses of the Holy entre
estúdios badalados de gravação (Olympic Studios, em Londres, e Electric Lady
Studios, em Nova York) e deixaram apenas OITO para o disco. A faixa-título, por
exemplo, apesar de ter sido gravada para o quinto álbum do Zeppelin só veio a
público em 1975, com o álbum duplo Physical Graffiti.
O disco abre com o clássico “The Song
Remains the Same”, canção de Jimmy Page e Robert Plant na qual, Mr. Page, no
auge de seu virtuosismo, gravou OITO guitarras diferentes, isso
mesmo: OITO guitarras diferentes para a faixa! Outras faixas do
disco que se tornaram clássicas foram “Over the Hills and Far Away”, “Dancin’
Days”, “D’yer Maker” (uma contração de “Did
you make her” com a palavra “Jamaica”)
e “No Quarter”.
A minha canção preferida deste clássico é
justamente a última do disco. “The Ocean” reflete bem o quanto Jimmy Page,
Robert Plant, John-Paul Jones e John Bonham trabalhavam bem juntos. Tinham uma
sinergia tão perfeita quando estavam em atividade em pleno palco, que a
impressão que tenho é a de que eles eram um só. Um zepelim que voava alto e
pairava sobre nossos ouvidos sem licença através de riffs de guitarra geniais, de uma voz lancinante, de um baixo e
teclados que adornavam a massa sonora condimentada pelo baterista mais genial
que já aportou por estas galáxias...
13) Maria
Bethânia – Drama, 3.º Ato: Luz da
Noite
Em 1973, Maria Bethânia já não era
mais conhecida como “a irmã de Caetano Veloso que cantava música de protesto”.
Era uma artista reconhecida por espetáculos nos quais misturava música e
poesia, sendo Rosa dos Ventos – O Show Encantado o mais bem-sucedido de toda
a sua carreira até então. Drama, 3.º Ato: Luz da Noite é o
registro (parcial) em disco do show que levou aos palcos durante o ano de 1973.
Uma das primeiras canções do roteiro
do show, “Baioque” (Chico Buarque), reflete bem não só o espírito do
espetáculo, como também é um raio-X fidedigno do espírito do artista brasileiro
em 1973: “Quando eu canto que se cuide / Quem não for meu irmão / O meu canto,
punhalada / Não conhece perdão / Quando eu rio/ Quando rio, rio seco / Como é
seco o sertão, meu sorriso / É uma fenda escavada no chão”. Além disso, havia
também um espírito de desbunde e contracultura nos versos finais da canção de
Chico quando Bethânia diz (debochadamente) a plenos pulmões que não quer
“seguir definhando sol a sol” e quer partir “requebrando um rock and roll” e achar um lugar “ao sol
de Ipanema, cinema e televisão” ao invés de dançar o baião que não
necessariamente libertaria o corpo de todos as patrulhas que o envolviam em
1973. Apesar de Bethânia ainda não conseguir fazer as respirações nos momentos
adequados, por exemplo, sua interpretação é de uma intensidade única na música
brasileira – ela canta não apenas com a voz, mas com o corpo inteiro.
12) The Rolling Stones – Goats Head Soup
Depois de abandonarem o Reino
Unido por causa de problemas com o fisco inglês, os Rolling Stones se
instalaram no sul da França para gravar o disco mais importante de toda a sua
história, o sensacional Exile on Main St. (1972) e sair em
turnê pelos EUA ao lado de Stevie Wonder durante o primeiro semestre de 1972.
Como os Stones (leia-se o arruaceiro
matusalém Keith Richards e sua esposa na época, Anita Pallenberg) não eram
bem-vindos em vários países do mundo, um dos poucos países que aceitaram as
pedras rolantes em seu território foi a Jamaica. A banda se reuniu no estúdio
Dynamic Sound, em Kingston, para gravar boa parte de Goats Head Soup, em
novembro de 1972. Ao contrário do que ocorreu no álbum anterior, as gravações
não tomaram muito tempo da banda, o que possibilitou a Mick Jagger, Keith
Richards, Charlie Watts, Mick Taylor e Bill Wyman o fato de saírem em turnê
mundial no ano seguinte.
O hit principal de Goats Head Soup foi “Angie”, uma das
baladas mais importantes de toda a carreira dos Rolling Stones. Muitos
acreditaram que a canção era para Angela Bowie (esposa de David) ou para Angela
Richards (filha de Keith e Anita), no entanto, Jagger e Richards desmentiram as
duas teses anos depois. “Angie” alcançou o topo das paradas de sucesso em
vários países do mundo, contrariando as prerrogativas dos executivos da
gravadora dos Stones. Vamos relembrar um dos momentos mais interessantes deste
disco, a censurada “Star Star”, que trata muitíssimo bem o clichê Sexo, Drogas & Rock ‘n’ Roll.
11) Chico
Buarque – Chico canta Calabar
Em 1973, Chico Buarque de Hollanda
era o inimigo n.º 1 da
ditadura brasileira. Suas canções eram censuradas sem a menor explicação. Sua
peça Calabar, o elogio da traição –
que conta a saga do holandês Maurício de Nassau em terras brasileiras – foi
proibida de ser montada em território nacional pouco antes de estrear. O disco
com as canções compostas para a peça recebeu cortes impostos pelos militares –
canções sem letra, chiados inesperados no decorrer de outras, um horror...
“Cálice”, sua primeira parceria com Gilberto Gil, foi censurada e impedida de
ser executada em pleno festival Phono 73,
evento organizado pela sua gravadora na época, a Philips.
Enfim, a maré não estava nada boa para
o filho de Sérgio Buarque de Hollanda no decorrer da primeira metade dos anos
1970. Chico canta Calabar é o seu último grito de sobrevivência autoral naquele
período. Depois deste disco, diante da paranoia que estava instalada em torno
da figura do referido compositor, vieram os álbuns Sinal Fechado e Meus Caros
Amigos, álbuns nos quais Chico Buarque teve de se impor uma espécie de
autocensura para poder trabalhar.
“Tira as Mãos de Mim” é o meu momento
preferido do disco Calabar. O arranjo de cordas sombrio é tão impressionante que
demonstra a frieza que sentíamos no decorrer dos anos de chumbo.
10) David
Bowie – Aladdin Sane
Depois de sacudir o planeta na pele
de Ziggy Stardust, seu personagem / alter-ego mais famoso, David Bowie não
tinha absolutamente mais nada para provar para o planeta. Já era um rock star
de primeiríssima grandeza, lotando casas de espetáculo, com fotos em capas de
revistas e fazendo bastante barulho.
Apesar de ter “executado” Ziggy no
show final da turnê The Rise and Fall of Ziggy Stardust & The Spiders from Mars,
em meados de 1973, Bowie ainda se ateve ao personagem por, pelo menos, mais um
ano. O disco Aladdin Sane (uma brincadeira com a expressão A Lad Insane – em português, um cara
maluco) foi descrito pelo próprio artista como uma incursão de Ziggy pelos
Estados Unidos, país no qual David Bowie fez história entre 1972 e 1973. O
álbum de covers Pin-Ups, lançado no final de 1973, auxiliou o público a fixar a
imagem e o som do artista inglês nas retinas e ouvidos do grande público.
Quando Aladdin Sane foi lançado, em
abril de 1973, Ziggy ainda não estava morto. Por isso, podemos dizer que este
trabalho é uma continuação do trabalho anterior e que lançou David Bowie para o
estrelato. Não é conceitual como The Rise and Fall of Ziggy Stardust &
The Spiders from Mars, não é intimista como Hunky Dory, mas possui clássicos
que fazem parte de qualquer coletânea de Bowie como “The Jean Genie”, “Time”,
“Cracked Actor” e um cover delicioso de “Let’s Spend the Night Together”, dos
Rolling Stones.
Item obrigatório em qualquer coleção
de amantes de David Bowie, Aladdin Sane
chega aos 40 anos dando muito banho em muita banda surgida nos anos 2000 ou
2010...
9) Luiz
Melodia – Pérola Negra
Luiz Carlos dos Santos era um mero
negro compositor que morava no Morro do Estácio quando foi descoberto pela
trupe dos tropicalistas. Waly Salomão ficou encantado com a poética daquele
jovem talento e apresentou-o para Torquato Neto e Guilherme Araújo, que se
tornou seu empresário. Antes de ser famoso, Luiz Melodia já tinha tido canções
gravadas pelas musas baianas Gal Costa e Maria Bethânia – “Pérola Negra” foi
registrada por Gal em Fa-Tal e “Estácio, Holly Estácio”
foi gravada por Bethânia em Drama – Anjo Exterminado –, por
isso, tinha tudo para ser uma das revelações do ano de 1973.
Apesar do disco de estreia de Luiz
Melodia ser um clássico hoje em dia, Pérola Negra não foi um fenômeno de
vendas na época em que foi lançado. Perinho Albuquerque, produtor e arranjador
da turma tropicalista, fez arranjos maravilhosos para “Magrelinha”, “Pra
Aquietar”, “Vale Quanto Pesa” e a faixa-título. O disco em si reúne estilos dos
mais diversos dentro do universo da música brasileira – samba, choro, forró,
rock – e até hoje impressiona o ouvinte com a diversidade musical e a poética
áspera de Melodia. Um disco que merece ser ouvido e sentido de cabo a rabo!
8) Frank Sinatra – Ol’
Blue Eyes is Back
No início de 1973, havia muita gente
que tinha acreditado que Francis Albert Sinatra não cantaria mais devido a um
anúncio de aposentadoria feito pelo próprio. Para a alegria de muitos de nós, The Voice decidiu revogar sua
aposentadoria e voltou com grande estilo ao disco com Ol’ Blue Eyes is Back em
outubro deste ano, graças a um repertório inédito e uma extensiva campanha de marketing.
O público respondeu prontamente ao
retorno de Frank Sinatra: o disco que marcou o seu retorno ao disco foi topo
nas paradas nos EUA e no Reino Unido e atestou que os olhos azuis estavam
cantando melhor do que nunca. O sucesso mais importante do disco, “Let Me Try
Again” (Paul Anka, Sammy Cahn e Michel Jourdan), é considerado como uma das
interpretações mais marcantes de Sinatra em todos os tempos. Por isso, não vale
a pena escrever muito sobre A Voz, o
importante é deixar que ela cante mais uma vez...
7) Elis
Regina – Elis
No primeiro
semestre de 1973, Elis Regina andava com o prestígio meio abalado com várias
pessoas do meio artístico. Convocada (forçadamente, segundo a própria) a cantar
nas Olimpíadas do Exército, em 1972, em pleno auge da ditadura militar
brasileira, Elis passou a ser crucificada pela esquerda e por parte do público.
A contrapartida da Pimentinha foi a realização de um álbum rascante, de
repertório mais moderno e que estivesse em sintonia com os tempos sombrios que
marcavam a primeira metade da década de 1970.
O disco Elis, lançado por Elis Regina
no primeiro semestre de 1973, foi outra guinada na discografia da estrela.
Canções de Gilberto Gil e da frutífera parceria João Bosco – Aldir Blanc
dominaram 80% do repertório do disco. “Oriente”, de Gil, abria o disco para que
a Pimentinha deixasse muito claro de que o recado a ser dado por ora era de que
todos nós deveríamos nos orientar
diante de tanto som e fúria que empesteavam os ares do Brasil. As releituras
para os sambas “Folhas Secas” (Nelson Cavaquinho & Guilherme de Brito) e “É
Com Esse Que Eu Vou” (Pedro Caetano) são definitivas não apenas pela precisão
da voz da Maior Cantora do Brasil,
como também pelo dedilhar de piano indefectível de César Camargo Mariano.
A interpretação mais marcante deste
disco é a do belíssimo tango “Cabaré”, de João Bosco & Aldir Blanc. Os
agudos de Elis lembram vagamente os agudos de Ângela Maria (sua maior
influência) e narram a saga de uma crooner
que canta em um inferninho decadente (“Na porta lentas luzes de neon / Na mesa
flores murchas de crepom / E a luz grená filtrada entre conversas”) e que
precisa se debater com “um silêncio de morte” em meio ao “drama sufocado em
cada rosto / A lama de não ser o que se quis / A chama quase morta de um sol
posto” e a lembrança vaga de ter sido uma bela “dama de um passado mais feliz”.
Com este trabalho irretocável, Elis Regina veio para dizer para a sociedade
mundial que não fazia música para alegrar a sociedade e sim para provocá-la com
seu canto insubstituível.
6) Paul McCartney & Wings – Band on the Run
Band on the
Run
é considerado por muitos fãs como o melhor disco lançado por um Beatle após Let
It Be (1970). Concordo plenamente! Por mais que All Things Must Pass
(George Harrison, 1970) e Imagine (John Lennon, 1971) sejam
discos importantes, nenhum disco solo de um Fab Four conseguiu alcançar a
eficiência musical que Paul McCartney, Linda McCartney e os Wings (o
guitarrista e pianista Denny Laine, o baixista Henry McCullough e o baterista Denny
Seiwell) conseguiram com este álbum.
Apesar de constar entre um dos álbuns
mais vendidos de 1974, o caminho para o sucesso foi árduo. Depois de comporem
as faixas do disco em sua casa de campo na Escócia, Paul e Linda queriam gravar
o disco longe do Reino Unido – de preferência em um local bastante exótico.
Quando o casal McCartney estava com tudo pronto para partir para Lagos, na
Nigéria, duas surpresas desagradáveis ocorreram: McCullogh e Seiwell
abandonaram o barco, reduzindo o Wings a um trio. Quando chegaram em seu local
de destino, encontraram um país assolado por miséria e corrupção de um governo militar,
um estúdio em péssimas condições de trabalho. Para somar a estadia nigeriana,
Paul e Linda foram roubados, o ex-Beatle sofreu um espasmo respiratório devido
ao excesso de nicotina e a cereja do bolo foi um arranca-rabo homérico com o
músico e ativista nigeriano Fela Kuti (que acusava os McCartney de se apropriar
da cultura africana indevidamente ao supostamente incluí-la nas novas canções
do Wings). Quando a trupe retornou para a Inglaterra em 23 de Setembro de 1973,
com todas as bases de Band on the Run gravadas, todos
devem ter sentido o alívio do dever cumprido diante de tamanha precariedade.
As nove faixas que constam no disco
original (“Band on the Run”, “Jet”, “Bluebird”, “Mrs. Vanderbilt”, “Let Me Roll
It”, “Mamunia”, “No Words”, “Picasso’s Last Words” e “Nineteen Hundred and
Eighty-Five”), somadas às outras duas faixas-bônus (“Helen Wheels” e “Country
Dreamer”) são o atestado definitive de que Paul McCartney não estava nem um
pouco a fim de se religar ao seu passado de glória e fama e queria escrever um
novo capítulo musical de sua trajetória. É, sem dúvida, o seu melhor disco
pós-Beatles. Por isso, merece (e muito!) ser ouvido…
5) Gal Costa –
Índia*
Em 1973, Gal Costa deu a sua guinada
mais importante em sua carreira até aquele momento. Deixou de lado a
agressividade característica de sua fase tropicalista para dar espaço a uma
postura mais brejeira e sexy. Com o lançamento de Índia, Gal adotou o princípio
de resgatar clássicos da canção brasileira (“Desafinado” e a bela guarânia que
dá nome ao disco) e fez a capa de disco mais sensual de todos os tempos.
É lógico que os militares acharam um
AB-SUR-DO uma capa com um close nas partes íntimas de Gal. Na data do
lançamento, o vinil precisou sair com um invólucro preto para que fosse
vendido, o que chamou ainda mais a atenção para o que Gal Costa tinha a dizer
naquele momento. Canções inesquecíveis de Lupicínio Rodrigues (“Volta”) e Tom
Jobim (“Desafinado”) integram o repertório do disco ao lado de criações de
Caetano Veloso (“Da Maior Importância”, “Relance” – parceria de Caê com Pedro
Novis), Gilberto Gil (responsável pela adaptação de “Milho Verde”, uma cantiga
do folclore português), Luiz Melodia (“Presente Cotidiano”), Tuzé de Abreu
(“Passarinho”), Jards Macalé e Waly Salomão (“Pontos de Luz”).
O time de músicos que contribuíram
com seus talentos para Índia é invejável. Sob a direção musical de Mestre
Gilberto Gil (que pilotou boa parte dos violões do disco), Roberto Silva e
Chico Batera ficaram responsáveis pela bateria, percussão e efeitos, Luiz Alves
pelo contrabaixo e Toninho Horta pela guitarra. As participações especiais de
Roberto Menescal (em “Desafinado”), Wagner Tiso, Arthur Verocai e Chacal
azeitaram a sonoridade deste clássico. Entretanto, devemos destacar a
contribuição essencial de dois artistas que foram fundamentais para este
trabalho: o Maestro Rogério Duprat (arauto erudito dos Tropicalistas), que
recriou “Índia” com um arranjo orquestral épico e Dominguinhos, que trouxe seu
indefectível acordeom para várias faixas do disco. Sem a presença destes dois,
o canto de Gal não teria atingido a mesma força, pois não teria a precisão
dramática do que o Tropicalismo nos ofertou de melhor.
Esqueçam as outras cantoras
brasileiras que gostam de se dizer sexy e cool: Índia, lançado por Gal
Costa em 1973, é uma das provas cabais de como Gracinha é a cantora brasileira
mais sensual e afinada de todas as galáxias pré e pós-tropicalistas!
* Tive
a honra de escrever sobre este disco fantástico para o blog Pequenos Clássicos Perdidos, do meu
guru Fábio Bridges. Por isso, as informações sobre este disco antológico de Gal
Costa são uma mera compilação do texto que está disponível no link a seguir: http://pequenosclassicosperdidos.wordpress.com/2013/07/25/gal-costa-india-1973/
4) Elton John – Goodbye
Yellow Brick Road
O sétimo álbum
de Reginald Kenneth Dwight foi a pedra do gênesis definitiva para que Elton
John (nome artístico de Reg) entrasse de vez para a história da música do
planeta. Goodbye Yellow Brick Road é uma obra-prima, não só por
demonstrar que Elton estava no auge da forma como músico e cantor (o mesmo
pode-se dizer de seus companheiros de banda), como também pelas letras
inspiradíssimas de seu parceiro, Bernie Taupin. Um detalhe interessante: Taupin
escreveu as letras do disco em menos de
TRÊS SEMANAS, repetindo: em menos de
TRÊS SEMANAS! Boa parte das canções foi finalizada por Elton em,
aproximadamente, TRÊS DIAS!
Elton John já era famoso pelos
surtos e exigências que fariam qualquer Diva
ruborizar de vergonha naquela época. Quis gravar seu disco na Jamaica apenas
pelo simples fato de que os Rolling Stones tinham gravado Goats Head Soup na terra
de Bob Marley. Quando as dificuldades começaram a surgir em janeiro de 1973, no
início das gravações do disco, Elton e a trupe se mudaram de mala e cuia para o
belo Château d'Hérouville, na França,
onde os álbuns Honky Château e Don't Shoot Me I'm Only the Piano Player
foram gravados no ano anterior. Assim que os trabalhos se iniciaram no Château, as sessões de gravação duraram
apenas DUAS SEMANAS! Só Frank
Sinatra teria feito mais rápido do que isso...
Goodbye Yellow Brick Road vendeu
cerca de 31 milhões de cópias no mundo inteiro. Isto se deve não apenas aos clássicos do disco (“Candle in the Wind”,
“Bennie & The Jets”, “Saturday Night’s Alright for Fighting” e a
faixa-título não podem faltar em nenhum show de Elton John!), mas também aos
lados B que compõem o disco: “Sweet Painted Lady”, “Harmony”, “I’ve Seen That
Movie Too”, “Roy Rogers”, “All the Girls Love Alice”, “Your Sister Can't Twist
(But She Can Rock 'n Roll)” e “ The Ballad of Danny Bailey (1909–34)”. Não é a toa
que este disco é considerado como o preferido de muitos fãs de Elton...
3) Raul
Seixas – Krig-Ha, Bandolo!
Quando Raul dos Santos Seixas começou
a tocar incessantemente entre nós a partir de 1973, já pudemos ver de cara que
o baiano fã de Elvis Presley não tinha vindo para este mundo de estrelas
musicais a passeio. Raulzito veio para fazer muito, mas muito barulho! Deixou
para trás uma respeitada carreira de produtor musical para dar início a uma
carreira individual vitoriosa e brilhante. O título de sua estreia musical: Krig-Ha,
Bandolo! (título retirado de uma história de quadrinhos) quer dizer,
nada mais nada menos do que, “Cuidado, lá
vem o inimigo!”. Na foto da capa do disco, vemos um cantor que contraria
toda a lógica do star system da Música Brasileira de 1973 – Raul se mostra
magro, esquelético, de olhos entreabertos (efeitos da cannabis?), uma tatuagem
na mão e um cordão dourado no centro do peito.
As canções que Raul reuniu em seu
primeiro disco demonstram o talento inacreditável que ele tinha de misturar
Rock com baião, forró, ponto de macumba e baladas que carregavam muito lirismo.
Krig-Ha,
Bandolo! era um disco que mostrava muito deboche da vida brasileira que
se vivia em 1973 – críticas ao consumismo (“Ouro de Tolo”), à política (“Al
Capone”), ao bom gosto (“Mosca na Sopa”) e que tocou fundo o coração e os
ouvidos dos brasileiros. Foi um dos maiores sucessos comerciais daquele ano e
levou Raul Seixas para a galeria dos compositores mais importantes da música
brasileira.
2) Pink Floyd – The
Dark Side of the Moon
Nenhum disco foi tão genial na cena
internacional do que a obra-prima que o Pink Floyd nos ofertou em 1973. Muito já
foi escrito sobre The Dark Side of the Moon e muito ainda vai faltar para explicar
tudo o que David Gilmour, Roger Waters, Richard Wright e Nick Mason fizeram em
apenas 10 faixas. O fato é que este disco é um dos mais importantes de toda a
história da música no mundo. É o mais importante da década de 1970, sem sombra
de dúvida e, por isso, não podemos deixar de falar sobre ele aqui.
Primeiramente é importante deixar
claro que The Dark Side of the Moon é uma experiência sensorial
indescritível. Batidas de coração, pessoas correndo, autofalantes de aeroporto,
batidas ensurdecedoras de relógios, gritos de desespero, caixas-registradoras
tilintando o som de verdinhas, um arco-íris que se faz, refaz para (enfim) se
esfacelar e gestos de loucura para que tudo se exploda assim que o eclipse
lunar esconda o sol e dar início a um novo ciclo. Poderíamos descrever este
álbum do Pink Floyd apenas pelos sons, se quiséssemos. Letra e música comungam
de um credo que uma não chega a se justapor à outra e aí está a genialidade de
Gilmour, Waters, Wright e Mason.
Quando eles tocavam juntos, nesta
época, era um trabalho dividido de forma equânime: 25% de brilhantismo para
cada um. Quando Roger Waters quis tomar os louros da genialidade para si a
partir de Wish You Were Here (1975), o Floyd deixou de ser o mesmo. Os álbuns
seguintes, Animals (1977) e The Wall (1979), apesar de serem
muito bons, não conseguiram dar a mesma continuidade ao feito que eles conseguiram
com The
Dark Side of the Moon: um disco de banda, não o produto da egolatria de
um homem só (Waters, no caso).
Por isso, prefiro me apropriar de um
verso recente de Gerson Conrad que diz “que deixemos viver o mito”. Cada vez
ouvimos como o lado obscuro da lua pode nos dizer tanto, uma alma é salva em
nome do Rock ‘n’ Roll.
1) Secos
& Molhados – Secos & Molhados
Nada, mas nada neste mundo causou
tanto furor quanto este grupo em 1973! Com a impressão de que tinham surgido em outro
planeta, o Secos & Molhados foi um dos acontecimentos mais revolucionários
da música brasileira: dois compositores de mão cheia, um cantor magrelo que
cantava e dançava como nunca se tinha visto antes, uma sonoridade que ia do
rockao folclore português, sem deixar de
passar por ritmos brasileiros e com um discurso poético baseado em poemas de
autores consagrados convertidos em canção, além de letras originais... Ah, e
claro: uma boa pitada de contestação dos valores morais, estéticos e,
consequentemente, políticos da época na qual surgiu e o nome mais insólito que
uma banda brasileira poderia ter...
O Secos & Molhados tinha tudo,
menos uma receita pronta para o estrondoso sucesso que fez na época, que tem
feito há exatos 40 anos e que ainda fará por mais 40 bilhões de anos: um
vocalista com voz de mulher, um compositor de mão cheia, o compositor One Hit Wonder mais significativo da
história da música popular brasileira e um som estranho para os padrões da época
eram apenas alguns dos elementos que NENHUMA
gravadora de grande porte acreditaria hoje em dia!
40 anos depois, a voz de Ney
Matogrosso ainda tem a capacidade de seduzir plateias de todas as idades. É praticamente
impossível não ficar parado quando “O Vira” começa a tocar em qualquer aparelho
de som e dançar ao som de corujas e pirilampos entre sacis e fadas. É praticamente
impossível não se emocionar com “Sangue Latino” e “Rosa de Hiroshima”, canções
de tom pacifista que eram um grito de liberdade em pleno clima de austeridade
imposto pela ditadura militar. O disco de estreia do Secos & Molhados foi um
dos poucos discos que tocou TODAS as
faixas, repetindo TODAS as faixas do
disco (sim, as treze faixas do disco!) nas ondas do rádio do Oiapoque ao Chuí!
Já a capa deste disco é, sem dúvida
nenhuma, a capa de disco mais ousada que já foi feita neste planeta: quatro
cabeças sendo servidas como pratos principais em uma mesa de jantar! Os músicos de apoio que tocaram neste disco –
Emilio Carrera, John Flavin, Willie Verdaguer, Sérgio Rosadas, Marcelo Frias –
fizeram dos teclados, guitarras, baixo, flauta, bateria e percussão elementos
de uma massa sonora complexa e de uma riqueza extraordinária de sons e ritmos. O
resultado de tamanho esforço coletivo foi a venda de cerca de 1 milhão de
cópias em pouco menos de um ano de lançamento, desbancando Roberto Carlos como
o artista que mais vendia discos no Brasil.
Com o seu aclamado disco de estreia e
com a inesperada receptividade do público e da crítica, o Secos & Molhados
deixou de ser um mero conjunto Pop
para se transformar em uma espécie de Beatlemania
à brasileira e com toques e temperos glitter.
A consequência imediata de gigantesca popularidade foi a dissolução da formação
clássica do grupo em agosto de 1974, quando Ney Matogrosso decidiu abandonar o
grupo alegando “diferenças irreconciliáveis” com o seu companheiro de banda,
João Ricardo. Com apenas 13 faixas, o “disco das cabeças cortadas” se tornou
uma das pérolas mais brilhantes da canção brasileira!
*Tive a honra de escrever sobre este disco fantástico para o
blogPequenos Clássicos
Perdidos, do meu guru Fábio Bridges. Por isso, as informações sobre este
disco antológico do Secos & Molhados são uma mera compilação do texto que
está disponível no link a seguir:http://pequenosclassicosperdidos.com.br/2014/01/02/secos-molhados-secos-molhados-1973/
*
Estes são os meus 14 motivos
musicais para querer entrar em uma máquina do tempo. Quem sabe um Delorean aparece na porta da minha casa
com um cientista que seja mais maluco do que eu e pede que eu volte por uns
tempos para 1973? Boa música para ouvir era algo que certamente não iria faltar...