31 de dezembro de 2014

2014 | 2015


É a terceira vez que escrevo posts como este. E ainda sem acreditar que mais um ano se passou e consegui manter o Trovas de Vinil como meu Blog, minha terapia, meu espaço para expor meus pensamentos, minhas ideias, como eu consigo ver e compreender o mundo.

Em quase três anos de existência, foram quase 9000 visualizações divididas em 43 posts sobre um tema em comum: MÚSICA! É ela quem nos move, é ela que nos motiva, é ela que nos inspira, é por ela que estamos aqui!

Gostaria de agradecer todos vocês que leram, que compartilharam, que curtiram a página no Facebook e deram toda a força. O apoio de cada leitor é fundamental para que este projeto faça sentido. No entanto, há três pessoas muito queridas que merecem o mais do que sincero reconhecimento e carinho:

Nilton Serra: o criador da página do Blog no Facebook e que trouxe novos leitores para as loucuras que compartilhamos por aqui... A você quero expressar também minha gratidão e o meu carinho por isto é por tudo o mais...

Fábio Bridges: não sou Roberto, ele não é Erasmo... mas posso dizer que este aqui é amigo de fé e irmão camarada! Abrir as portas do Pequenos Clássicos Perdidos, o Blog de música mais bacana desta Internet, para que este reles mortal escreva algumas contribuições por lá é uma honra sem tamanho. E ainda divulga o nosso Blog, via links, na página principal do P.C.P.! :-) Obrigado por tudo, amigo! E como diz o Inimitável: "São tantas emoções!"...

Rosana Barbosa: em um ano em que pensei em parar de escrever, as palavras de carinho de alguém que a gente gosta e admira muito não funcionam apenas como conforto em meio a tempestades, elas são o incentivo para que possamos ir em frente! Sem as suas boas energias, Amore, eu não teria ido adiante. Espero que em 2015, este espaço possa trazer coisas que você curta ler - sim, prometo mais música brasileira... A você, Rô, envio, muito mais do que um "Muito Obrigado!", mas envio a certeza de que este espaço não irá ter férias tão cedo...

2014 não foi um ano fácil na vida pessoal. Foi um ano profissional bastante turbulento. No entanto, chegamos ao final com a certeza da sobrevivência e a promessa de vários projetos que estão a caminho no início de 2015...

Saudações a todos,
Vinil

P.S.: Como diria Mestre Chico, o Buarque, "olha o que é que eu fiz..."


30 de dezembro de 2014

TROVA # 43

O BANQUETE DE FAMINTOS DE 
NATALIE MERCHANT



It’s really wonderful to be able to be nobody, and then have a moment when I can be somebody, and then go right back to being nobody again.

I don’t want to live in a culture of despair, I’d like to live in a culture of hope.

I think of myself as a musician and not a celebrity. Celebrity status is smoething you have to deliberately pursue – I couldn’t imagine myself seeking that.

Natalie Merchant



Existem, neste mundo, três tipos de artistas da canção: 1) Os que te fazem acreditar em um mundo melhor; 2) Os que te fazem um ser humano melhor; 3) Os que te motivam a viver melhor no decorrer das insanidades do dia-a-dia. Natalie Merchant é uma das poucas pessoas que conseguem a realizar estas três façanhas comigo há pouco mais de 20 anos.


Eu devia ser mais um daqueles adolescentes sem graça e sem algo de especial que estava prestes a iniciar o último ano do Ensino Fundamental quando ouvi o cover que o 10,000 Maniacs tinha feito para "Because the Night" (parceria bissexta de Patti Smith e Bruce Springsteen) no rádio no início de 1994. Eu tinha acabado de completar 13 anos de idade e meus ouvidos ficaram completamente vidrados naquela voz com aquela interpretação dramática e agridoce daquela "menininha" de vestidinho preto, cabelo estilo Joãozinho e sapatos de bailarina que tinha saído de Jamestown, New York, para as ondas das rádios do planeta. Era, nada mais, nada menos do que um dos trechos mais eletrizantes do especial MTV Unplugged que finalmente levou os Maniacs ao estrelato antes de Natalie deixar a banda, meses depois.



Anos mais tarde, já adepto da TV a cabo e seguidor frenético da MTV Brasil, vi um vídeo de 4 minutos no qual Miss Merchant perambulava aparentemente sem rumo pelas ruas da cidade de New York com uma câmera fotográfica nas mãos, além de zilhões de ideias e desejos a serem soltos e registrados por aí. Natalie se apresentava como uma flanéur em pânico (sem deixar de manter uma certa postura de deboche perante ao mal-estar da civilização) pelas ruas de Manhattan em seu primeiro clipe solo. Era "Carnival", uma de suas obras-primas...








A partir de então, passei a olhar com mais atenção cada um dos passos musicais de Natalie Merchant. No Natal de 1998, tive a oportunidade de pedir um dos discos que mudaram minha percepção em termos de música: Tigerlily, o primeiro álbum solo de Merchant. Na época em que ainda existiam lojas de discos no centro do Rio de Janeiro (não essas megastores ou meras seções de CDs e DVDs nas livrarias!), passei a pedir a meus pais que sempre me dessem CDs de Natalie de presente de Natal - certas vezes eu ganhava dinheiro para que eu mesmo comprasse um presente de minha livre escolha e o tão aguardado álbum de inéditas chegava em minhas mãos geralmente todo dia 30 de Dezembro. Com o lançamento de Ophelia, seu segundo CD solo, tornei-me um verdadeiro fã e seguidor de sua obra.




A sonoridade pop que fez de Miss Merchant uma verdadeira estrela durante sua passagem pelo 10,000 Maniacs não estava em plena evidência em Tigerlily e saiu completamente de cena a partir de Ophelia. Enquanto cantora e compositora, Natalie queria arriscar novas sonoridades, traçar caminhos musicais mais sofisticados, quebrar as amarras impostas pelo pop-rock da revista Billboard ou pela revista Rolling Stone. O preço pago pela artista foi justamente o afastamento das paradas de sucesso e, consequentemente, do grande público - seu primeiro disco chegou a vender milhões de cópias, ao contrário de seu sucessor.


Em um era em que Britneys e Aguileras queriam ser princesinhas no reinado de Madonna na corte das Boy-Bands (ah, os nefastos anos 1990...), Tigerlily era um Pop inteligente demais para 1995. Ophelia era um mergulho profundo demais em uma sociedade a qual sempre privilegiou o espetáculo per se, ainda mais em 1998! Como resposta ao mergulho (Pessoano demais? Shakespeariano demais?) de Natalie em projetos musicais muito densos, a Elektra - selo da Warner Records que produzia e distribuía seus discos nos EUA e pelo resto do mundo - decidiu lançar Natalie Merchant Live in Concert em CD, DVD e Home Video (as imagens deste show são uma raridade hoje em dia, visto que estão fora de catálogo!).



O registro audiovisual de duas noites de shows da Ophelia Tour apresenta uma artista ousada e intensa, com um repertório que foge da obviedade das paradas de sucesso do final da década de 1990. O palco era o local no qual os sentimentos mais obscuros de Natalie (raiva, ódio, euforia, medo...) se concretizavam, para estupefação e deleite do público ao ver uma moça aparente tão recatada e reservada se transformar em uma megera indomada em cena. As escolhas artísticas acertadas - sem abrir concessões ao mercado fonográfico, como fizeram algumas colegas de sua geração - de Miss Merchant lhe renderam pleno respeito da crítica especializada e a intensa admiração de um público restrito e fidelíssimo.


Em 2000, Natalie decidiu trilhar um caminho ainda mais radical: saiu em turnê pelos EUA para divulgar um setlist composto única e somente de canções tradicionais do folk norte-americano e sem lançar nenhum disco de inéditas. A pesquisa e a (indiscutível) qualidade do repertório infelizmente não foram suficientes para que a Elektra lançasse aquele projeto em CD - isto foi feito pela própria Natalie Merchant três anos mais tarde com o lançamento do antológico The House Carpenter's Daughter.





No início da primeira década do novo milênio, a Elektra solicitou mais um disco de inéditas de Merchant e ficou acordado que as gravações teriam início em New York City. Natalie dividiria a produção com o renomado T-Bone Burnett (Robert Plant & Alisson Krauss, O' brother where ar'thou?) e as gravações teriam início em 15/06/2001 e seriam concluídas até o dia 9 de setembro do mesmo ano. Motherland seria reconhecido como um dos trabalhos mais contundentes e engajados de Natalie Merchant (e da música americana de todos os tempos) se o atentado às torres gêmeas do World Trade Center não tivesse se consumado 48h depois do fim do processo de criação do projeto.



A voz de Natalie jamais se mostrará tão politicamente ativa como em 2001 - "This House is on Fire" versa sobre conflitos armados, o imperialismo e a tirania da segunda era Bush; a faixa que deu nome ao CD é um hino pacifista comovente, além de um pedido de paz em um mundo que é sumaria e paulatinamente destruído a cada dia; "Saint Judas" é o inventário do racismo oriundo de um regime político escravocrata e excludente; "Golden Boy" recria a saga de um jovem assassino que pode ter saído de Columbine High School ou de We Need to Talk About Kevin, de Lionel Shriver; "Tell Yourself" é uma ode à beleza que existe fora dos padrões da ditadura da estética imposta pelo American Way of Life, uma conclamação à auto-estima de meninas que não se enquadram nos pressupostos de beleza que colonizam os imaginários das pessoas que habitam o norte das Américas.





O público cativo de Natalie Merchant se encantou por Motherland. Dois casos deste fato foram os seguintes: David Letterman, de tão estupefato com a voz e a performance de "Just Can't Last", pediu que Natalie e a banda voltassem para tocar na noite seguinte da fatídica apresentação de 12 de novembro de 2001. Todos voltaram na noite seguinte para tocar "Build a Levee" na noite seguinte, para deleite da equipe do programa e do público em geral. Elton John, na época do lançamento do disco, cansou de fazer elogios sucessivos a Motherland e disse que era o melhor trabalho que Natalie já tinha feito até então. Era fato evidente que a voz de Miss Merchant estava mais amadurecida e tinha conquistado mais tons graves, por exemplo. Suas interpretações se tornaram mais pungentes e inesquecíveis (como não se encantar com "I'm not Gonna Beg", que teria sido composta para Aretha Franklin?). No entanto, suas mensagens de cunho político e pacifista foram neutralizadas pela paranoia que se apoderou dos EUA após os ataques de 11 de Setembro de 2001: declarar abertamente que o lar americano estava em chamas ou de que o sofrimento simplesmente não iria perdurar ("Just Can't Last") foi um pouco demais para uma nação cujo orgulho estava seriamente ferido por aeronaves suicidas. Um detalhe interessante sobre o quanto a paranoia e a maluquice estavam atingindo níveis surreais: a arte original - capa e fotos de encarte do CD - foram descartadas e substituídas por uma bucólica foto da cantora sentada ao lado de uma árvore com uma cesta de frutas no colo - ou seja, uma imagem completamente desprovida de quaisquer conotações políticas. O disco infelizmente não teve altos índices de vendagem e Natalie foi dispensada da Elektra pouco tempo depois.





A consequência mais duradoura do afastamento de Natalie Merchant de uma grande gravadora foi justamente o fato de ficarmos sem ouvir qualquer espécie de material inédito por mais de uma década. Por outro lado, Natalie pode concretizar projetos pessoais musicais que jamais conseguiria dar cabo em uma grande gravadora: The House Carpenter's Daughter foi um deles. O CD de raridades contido em Retrospective (1995-2005) é uma pepita ofertada aos fãs de Merchant. O casamento e a maternidade longe dos holofotes em um país no qual os paparazzi registram cada movimento das pessoas famosas foi outro.



O exílio da artista dos palcos e dos discos foi importante para que ela conseguisse se reinserir no mundo musical com um dos projetos musicais mais ambiciosos de todos os tempos. Leave Your Sleep, um CD duplo com 26 canções baseadas em poemas escritos para crianças. Christina Rossetti, Ogden Nash, e. e. cummings e outros artífices da Literatura tornaram-se co-autores de 26 canções que encantaram pequenos e adultos. A semestre deste projeto se deu graças à maternidade: em 2003, Merchant deu luz à Lucía, sua única filha. No afã de alfabetizar a menina, Natalie resolveu dar voz a textos poéticos que estavam distantes da memória das pessoas ao expandir seu número de leitores ao fazer destes ouvintes de poemas musicados.







Leave Your Sleep foi o retorno de Natalie Merchant ao mundo da música depois de sete anos sem lançar álbuns com gravações inéditas e após nove sem apresentar canções de sua autoria para o público. Contratada pela Nonesuch Records, selo musical especializado em Jazz e Folk, Merchant obteve a liberdade pela qual sempre lutou no decorrer de toda a sua carreira: gravar canções que dialogam com os mais diversos estilos musicais (Rock, Folk, Jazz, Bluegrass, etc.) não apenas com acompanhamento musical simples, como também com direito a orquestras sinfônicas que enriquecem o trabalho da canção popular, dando à musicalidade de Natalie novos caminhos a serem percorridos.
        



O período compreendido entre 2010 e 2014 serviu não apenas para que Miss Merchant divulgasse este trabalho monumental, como também foi importante para que a artista pudesse, enfim, garimpar o que existia de mais genuíno e autêntico em seus arquivos e/ou voltasse a compor letra e música para novas canções. Treze anos após a gravação e o lançamento de Motherland, já era o momento de Natalie Merchant trazer mais uma coleção de material inédito.




As dez canções que fariam parte do projeto The Hunger Banquet (O Banquete dos Famintos) foram gravadas em estúdio no final de 2013. Porém, ao saber que a trilogia Jogos Vorazes (The Hunger Games), de Suzanne Collins, era um dos maiores sucessos editoriais na mesma época em que o CD seria lançado, Merchant decidiu deixar o título de seu trabalho de lado e intitulou sua coleção de inéditas apenas com o nome de Natalie Merchant. Apesar do tema das novas criações da autora de "Carnival" e "Life is Sweet" delimitarem as propostas de um projeto específico - o banquete para aqueles que sentiriam fome de viver, de sentir, de comer... - as canções não deixam de trabalhar velhos temas já abordados pela obra da cantora, tais como: repressão x libertação ("Ladybird", "Giving up Everything"), conflitos globais ("It's A-Coming", "Go Down, Moses"), morte, ciúme e finitude ("Maggie Said", "Seven Deadly Sins" e "The End"), fama, glória e ostracismo ("Lulu"), egoísmo e indignação perante o status quo ("Texas" e "Black Sheep"). Tratava-se de uma espécie de recomeço para uma artista que retornava à cena do música Pop depois de uma praticamente uma década e meia, ou talvez, uma retomada da crítica a valores humanos tão presentes em Motherland, a partir de letras simples e diretas como as de Tigerlily e de arranjos que combinam ora tons menores tais quais os de The House Carpenter's Daughter, ora épicos e grandiloquentes como os de Ophelia e Leave Your Sleep. Em suma: Natalie Merchant resume, em 10 canções inéditas, tudo o que uma artista conseguiu realizar em carreira solo desde 1995!



Natalie Merchant anuncia um banquete de famintos em seu disco homônimo e deixa em aberto a possibilidade para que nos saciemos através de um disco de gravações emocionantes, pungentes e marcantes - "Lulu" tornou-se uma das obras-primas de todo o repertório de Natalie. A cada trabalho que lança, vemos não apenas uma mulher que aceitou envelhecer graciosamente (Natalie surpreendeu seus fãs ao deixar de fingir seus cabelos de perto a partir de 2012, deixando seus cabelos naturalmente grisalhos) em um mundo musical no qual senhoras de fibra e de cabelos brancos como Patti Smith e Emmylou Harris são exceções à regra principal de que o Pop jamais envelhece - vide a obsessão infinita de Madonna em parecer jovem à beira dos 60 anos de idade. Envelhecer, produzir e declarar independência musical na era do iTunes é sinal de muita coragem e ousadia: Miss Merchant o possui, como uma bela matrona italiana prestes a nos servir um banquete para cada um de nós, famintos por boa música.


22 de dezembro de 2014

TROVA # 42

O Último Sopro de Bobby Keys

Bobby Keys (1943-2014)

 “If you believe in the magic of Rock & Roll, which I devoulty do, it isn’t in the individual. I’ve played in bands with A-team players around. But unless they can play together, it doesn’t do any good. And you can take guys who may not stand on their own up against a bunch of individuals they might be compared to, but you put’em together man, and they are unique unto themselves in a way that no one else can touch. You can get the finest A-team musicians in the world, put’em together, and there’s no guarantee it’s gonna swing.”
(Bobby Keys, 2012)
  
         De todos os riffs de guitarra que fizeram a história do Rock, nenhum me traz tamanha excitação quanto de “Brown Sugar”, dos Rolling Stones. Quando vejo Keith Richards empunhando sua guitarra heroicamente entre suas duas pernas para tocar este clássico, sei que um dos maiores espetáculos do planeta está chegando ao fim e o que o meu nível de adrenalina se aproxima do ápice. Em que momento atingimos o auge da excitação? No segundo em que Bobby Keys inicia o seu solo de sax tenor e deflagra a festa, a orgia e a celebração da liberdade e do corpo e do espírito em meio a uma sociedade que insiste em cercear os limites da alucinação e da sexualidade.

Bobby Keys ao lado de Mick Jagger e do guitarrista Mick Taylor durante a lendária STP (Stones' Touring Party), turnê do álbum Exile on Main St., que varreu o Hemisfério Norte durante o verão de 1972. Ao fundo: Charlie Watts, o baterista dos Rolling Stones.


         Bobby Keys não foi apenas um músico convidado pelos Rolling Stones: ele foi um dos autores das marcas registradas mais queridas pelos fãs do grupo inglês. O solo de “Brown Sugar” é apenas um mero exemplo da extensa e significativa contribuição que Bobby deu para a música dos Stones. Sua participação nos discos gravados durante o período de ouro da banda (1969-1974), além de outras gravações avulsas, ajudou Jagger & Richards a definirem as novas direções a serem seguidas pelo som da banda. Exile on Main St. (1972) não seria a obra-prima que é sem os metais capitaneados por Bobby e Jim Price.
         É por isso tudo que os membros e fãs dos Rolling Stones receberam com imensa tristeza a notícia de que Bobby Keys tinha morrido por consequência de uma cirrose aos 70 anos de idade no dia 2 de Dezembro de 2014. O impacto da perda de Bobby é tão profundo quanto a morte de Ian Stewart em meados dos anos 1980, visto que, além da amizade e da parceria, trata-se de um músico que definiu uma bela parte da identidade do som dos Stones.

Bobby ao lado de John Lennon durante as gravações do álbum Walls & Bridges (1974), do ex-Beatle.

Keith & Bobby nos anos 1970
         Nascido no Estado do Texas em 18 de Dezembro de 1943 – na mesmíssima data em que nascera seu melhor amigo, Keith Richards –, Robert Henry Keys foi um músico profissional por mais de 50 anos. Tocou com outros mestres do Rock & Roll como John Lennon, Elton John, George Harrison, Eric Clapton, Joe Cocker, Lynyrd Skynyrd, Buddy Holly, Ringo Starr, B. B. King, além de ter participado de discos de Keith Moon, Sheryl Crow, Carly Simon, Dr. John, Yoko Ono, Donovan, Barbra Streisand, dentre outros. No entanto, sua passagem para a posteridade foi garantida pela sólida parceria que manteve com os Rolling Stones desde 1969.

Keith & Bobby nos anos 1980
Keith & Bobby nos anos 2000

Nota escrita por Keith Richards 

na ocasião do falecimento de seu melhor amigo.


         Para que não nos esqueçamos da importância de seu legado, fizemos um Top 10 com as melhores que Bobby gravou com Mick Jagger, Keith Richards e cia...

10) “Dance, Pt. I” (1980)  
         A faixa que abre o álbum que os Rolling Stones lançaram em 1980, Emotional Rescue, é uma das parcerias bissextas entre Mick, Keith e o guitarrista Ron Wood. Enquanto Richards ainda vivia os percalços das prisões e das audiências na justiça por conta do vício e posse de heroína, Jagger passou a dar as cartas em relação aos rumos que as pedras deveriam rolar. Seguindo o embalo do sucesso de Some Girls (1978), o frontman dos Stones busca repetir a experiência de “Miss You”, sem conseguir o retorno esperado. Os metais de “Dance, Pt. 1”, que se destacam no minuto final desta faixa, tornam esta composição ainda mais dançante.


9) “Loving Cup” (1972) 
         A nona faixa da obra-prima dos Stones, Exile on Main St., é um dos lados B mais cultuados da discografia da banda – em 2006, uma regravação deste clássico foi feita com a participação do cantor e guitarrista Jack White. A versão original de “Loving Cup”, de 1971, não possuía o arranjo de metais de Bobby e Jim Price, ao contrário da versão que figura no disco lançado no ano seguinte. A “Loving Cup” de Exile..., graças a Bobby e Price, é muito mais Soul (portanto, mais dramática!) e permitiu que Mick Jagger, Keith Richards, Bill Wyman, Mick Taylor e Charlie Watts alçassem voos inesperados em relação ao som que a banda estava produzindo naquela época...


8) “Rocks Off” (1972) 
         A faixa que abre Exile... relata experiências típicas do universo dos Rolling Stones: tesão, atração, fissura, obsessão sexual... Os riffs e acordes desconcertantes das guitarras de Richards e Taylor, a argamassa de Wyman e Watts e o piano de Nicky Hopkins que compõem a argamassa da batida dos Stones se juntam à brass section encorpada de Bobby Keys e Jim Price para que os vocais indefectíveis de Jagger conseguissem alcançar a estridência suficiente para pegar o ouvinte da obra-prima da banda a partir do primeiro minuto. Em suma: “Rocks Off” foi o primeiro capítulo de um álbum se transformou em um item obrigatório na coleção de qualquer amante do Rock & Roll!



7) “Rip this Joint” (1972) 
         A segunda faixa de Exile on Main St... é um dos petardos mais indigestos de toda a obra dos Rolling Stones. A batida e os riffs de “Rip this Joint” são diluídos através dos gritos de Mick Jagger e entrecortados por dois solos demolidores de Bobby Keys. Um detalhe relevante sobre esta canção: os próprios Stones tocaram esta em poucas turnês – até onde sabemos, “Joint” só foi apresentada nas turnês Exile... e Voodoo Lounge.



6) “All About You” (1980) 
         Canção que encerra o controvertido álbum Emotional Rescue e pertence à lavra de Keith Richards. Uma das baladas mais marcantes do grupo, “All About You” é um lamento sofrido de Keith ao amigo Mick Jagger, cuja egolatria se espraiava por limites que levariam os Rolling Stones a uma crise sem precedentes no decorrer de toda a década de 1980. A participação de Bobby Keys nesta faixa oferece um tom mais jazzístico para esta bela criação: seu sax tenor se acentua no decorrer dos 4 minutos desta gravação antológica!


5) “Casino Boogie” (1972) 
         O solo de Bobby Keys para a quarta faixa de Exile... é o diferencial desta gravação. Em meio a lances de dados e as amarras impostas pelo tempo anunciados por Mick Jagger, as guitarras de Keith Richards e Mick Taylor dialogam com o baixo de Bill Wyman e batida jazzística de Charlie Watts e o sax tenor de Bobby com dinamismo de uma partida de Poker.


4) “Sweet Virginia” (1972) 
         Este country composto por Jagger & Richards para Exile on Main St... é uma das faixas mais belas da história da música. A balada percorre territórios desérticos, perpassa episódios de tristeza e solidão e possui um dos solos mais brilhantes da carreira de Bobby Keys.




3) “Live with Me” (1969)
         A longa parceria de Bobby Keys com os Rolling Stones se iniciou com esta faixa, incluída no icônico álbum Let it Bleed (1969). “Live with Me” é um dos cartões-visita dos Stones: defende um estilo de vida anárquico, completamente distinto dos pilares da tradição inglesa – beber o chá das cinco ás três da tarde, enfileirar-se para utilizar o banheiro às 7h35 em uma casa que necessitaria desesperadamente de um “toque feminino” para recobrar os valores da moral e dos bons costumes, são alguns dos vários manifestos de libertação que as pedras rolantes defendiam em face ao conservadorismo da Inglaterra do final da década de 1960.a participação de Bobby anuncia, através de seus acordes dissonantes e com um volume estridente, um caos reinante defendido por Mick, Keith e cia.



2) “Can’t You Hear Me Knocking?(1971) 
         A quarta canção de Sticky Fingers (1971) ocupa pouco mais de sete minutos do álbum e, originalmente, não era para ter sido a jam session na qual se tornou se Mick Taylor e Bobby Keys não tivessem contribuído com seus improvisos para esta gravação. O solo de Bobby, juntamente com o de Taylor, propõe uma atmosfera hipnótica a partir da bateria de Charlie Watts e das congas de Rocky Dijon após Jagger ter literalmente berrado suas obsessões em forma de canção e de Keith ter criado mais um de seus riffs antológicos.



1) “Brown Sugar” (1971) 
         Nenhum show dos Rolling Stones pode ser dado por completo se a banda não tocou “Brown Sugar” em algum momento do espetáculo. Este clássico é uma ode à liberdade do corpo e do espírito através da tríplice aliança entre Sexo, Drogas e Rock & Roll. Quando Mick Jagger acabava de cantar o segundo refrão e anunciava: “Bobby!” para que o músico do Texas fizesse seu solo era um momento de verdadeira de verdadeira excitação, pois o solo de sax para esta canção é tão marcante a ponto da mesma sequência de acordes ter que ser repetida à risca em toda apresentação dos Stones desde 1971.




         A contribuição de Bobby Keys para diversas gravações dos Rolling Stones lhe deu um lugar permanente no panteão dos músicos mais importantes de toda a história do Rock & Roll. Seu desaparecimento é um dos golpes mais duros para a banda e para a comunidade musical como um todo. Este texto é uma singela homenagem ao legado de um senhor de 70 anos que nutria uma enorme paixão pela arte que fazia. Que seu corpo possa descansar em paz e sua música faça do nome de Robert Henry Keys uma das referências principais do sax tenor.

Thank you, Bob!


DUAS PARTICIPAÇÕES DE BOBBY KEYS EM DISCOS DE OUTROS ARTISTAS QUE VOCÊ PRECISA OUVIR:

* John Lennon - Whatever Gets You Thru The Night (1974)


* Sheryl Crow - There Goes the Neighborhood (1998)



UMA ENTREVISTA PERDIDA DE BOBBY KEYS À REVISTA ROLLING STONE, DE 2012:
http://www.rollingstone.com/music/features/bobby-keys-the-lost-rolling-stone-interview-20141202 

KEITH RICHARDS RELEMBRA O VELHO AMIGO PARA A REVISTA ROLLING STONE:
http://www.rollingstone.com/music/features/keith-richards-rolling-stones-bobby-keys-20141204?page=2