26 de novembro de 2013

TROVA # 27

                                         SWEET JONI 

Roberta Joan Anderson se apaixonou primeiro pela pintura antes de gravar obras-primas da música do século XX.

And the seasons they go round and round
And the painted ponies go up and down
We’re captive on the carousel of time
We can’t return, we can only look behind
From where we came
And go round and round and round
In the circle game
(Joni Mitchell – “The Circle Game”)

Joni Mitchell na capa de Hejira (1976)

         A partir do dia 7 de novembro de 2013, o time dos setentões ilustres ganhou mais uma integrante de peso: a canadense Roberta Joan Anderson, mais conhecida entre nós, meros terráqueos, como Joni Mitchell. Artista plural – cantora, compositora, poeta, pintora – Joni é uma das artistas mais importantes e influentes do universo da música do planeta. Chegar aos 70 anos de idade não é apenas uma oportunidade de celebrar sua vida, como também é um momento de reverenciar uma obra irrepreensível e de uma magnitude impressionante.


Joni no início da carreira, quando era uma jovem com um violão na mão e muita coisa para dizer ao mundo...

          Joni surgiu como uma mera cantora de Folk Music em duo com o ex-marido, Chuck Mitchell (de quem herdou o sobrenome). Tudo o que tinha, lá pelos idos dos 1960s era um violão e um banquinho, tal qual pregava a cartilha despojada do bom e velho Folk. Seu primeiro disco, Song for a Seagull, veio a público em 1968 – na época, a Sra. Mitchell, já divorciada, já era respeitada como compositora e tinha canções de sua autoria gravadas por Judy Collins, um dos pilares da música norte-americana. A jovem de quase 30 anos de idade já filosofava sobre o amor e a vida em um de seus maiores clássicos, “Both Sides, Now” (“I’ve looked at life from both sides, now /From win and lose and still somehow /It’s life’s illusions I recall / I really don’t know life at all // I’ve looked at life from both sides now / From up and down, and still somehow / It’s life’s illusions I recall / I really don’t know life at all ”), e encantava os amantes da boa música com versos e sons tão profundos e inteligentes.


Os cabelos loiros e longos sempre foram a marca registrada de Mrs. Mitchell.

         Mrs. Mitchell se encontra na mesma galeria de artistas que fazem da canção instrumento para audição de versos que se assimilam a poemas que merecem ser lidos e discutidos em aula de Literatura. Está à altura de gênios como Bob Dylan e Leonard Cohen. É referência para mulheres  mais jovens como Jewel, kd Lang, Madeleine Peyroux, Norah Jones, Taylor Swift e até artistas da canção brasileira como Zélia Duncan e Tulipa Ruiz. Gravou com lendas da música como Charles Mingus, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Neil Young, Jaco Pastorius, Pat Metheny, Michael Brecker, Don Alias, James Taylor, Michael McDonald e The Band. É autora de álbuns clássicos e atemporais como Clouds (1969), Blue (1971), Court & Spark (1974), Hejira (1976), Mingus (1979), Wild Things Run Fast (1982) e Turbulent Indigo (1994), títulos nos quais vai do Folk, passa pelo Rock e pelo Jazz e volta ao seu bom e velho violão para expressar seus pensamentos sobre o universo e alguns dos fenômenos que fazem parte dele.


Joni Mitchell sempre foi reconhecida por seus colegas, pelo grande público e respeitada por artistas de gerações posteriores.

         Na década de 2000, Joni gravou dois álbuns sinfônicos – Both Sides, Now! (2000) e Travelogue (2002) – nos quais dedicou sua verve de intérprete. A voz de contralto, que antes alcançava agudos encantadores, já não era mais a mesma devido ao passar do tempo e ao constante uso de nicotina (é praticamente impossível dissociar a imagem de Joni Mitchell dos cigarros acesos!), mas tinha a experiência de ter vivido uma vida inteira para poder cantar não apenas os conflitos retratados nas canções, como também 10 standards da música norte-americana. Suas versões para “You’re My Thrill” (Jay Gormey & Sidney Clare), “Comes Love” (Sam H. Stept, Lew Brown & Charles Tobias), “You’ve Changed” (Bill Carey & Carl Fischer) e “Stormy Weather”(Harold Arlen & Ted Koehler), além das regravações de “A Case of You”, “Amelia”, “Sex Kills”, “Woodstock”, “Trouble Child”, “Love”, “Cherokee Louise”, “The Circle Game” e da já citada “Both Sides, Now” são repletas de emoção, sentimento e tem o poder de encantar qualquer fã de boa arte.

O violão não é o companheiro inseparável de Joni. Este lugar foi ocupado há muitos anos pelo cigarro...


Both Sides, Now! (2000)


        
Na época em que lançou Travelogue, Joni Mitchell anunciou que aquele seria seu último disco, para tristeza de muitos fãs. A artista alegou que era necessário se aposentar e cuidar da saúde, que sempre fora debilitada por inúmeras doenças. Além disso, poderia ter mais tempo a se dedicar à filha e aos netos e viver o esplendor da chamada “terceira idade”. Em 2007, abriu exceção ao lançar Shine, depois de nove anos sem inéditas. Depois disso, aparece poucas vezes em público e dá poucas entrevistas. Em meados de 2013, fez algumas apresentações para comemorar seus 70 anos de idade e, aparentemente, não há planos para novos projetos.

Travelogue (2002)

         Foi graças a um presente de aniversário que eu ganhei anos atrás que pude conhecer melhor o trabalho de Joni. Foi paixão à primeira vista! Depois daquele disco, comecei a sonhar com boeings 747 que voavam por fazendas geométricas ou a dizer que somos meramente poeira das estrelas e que (sempre) devemos voltar àquele velho jardim para aprender e sonhar. Já que sonhar não nos custa absolutamente nada, sempre há motivos para ouvir a obra de Joni Mitchell e viajar por céus sonoros e coloridos...

Clouds (1969)


UMA BREVE ANTOLOGIA DE
JONI MITCHELL:

The ghost of aviation
She was swallowed by the sky
Or by the sea, like me she had a dream to fly
Like Icarus ascending
On beautiful foolish arms
Amelia, it was just a false alarm
(Amelia, 1976)
Love suffers long
Love is kind!
Enduring all things
Hoping all things
Love has no evil in mind.
(Love – I Corinthians 13 –, 1982)
By the time we got to Woodstock
We were half a million strong
And everywhere you looked there was song and celebration”.
(Woodstock, 1970)
Let me speak, let me spit out mu bitterness –
Born of grief and nights without sleep and festering flesh.
(The Sire of Sorrow – Job’s Sad Song, 1994)
So what are you going to do about it
You can’t live life and you can’t leave it
Advice and religion – you can’t take it
You can’t seem to believe it
The peacock is afraid to parade
You’re under the thumb of the maid
You really can’t give love in this condition
Still you know how you need it
(Trouble Child, 1974)
Which would it be
Mingus one or two or three
Which one do you think he’d want the world to see
Well, world’s opinion’s not a lot of help
When a man’s only trying to find out
How to feel about himself!
In the plan – oh!
The cock-eyed plan
God must be a boogie man!
(God Must Be A Boogie Man, 1979)
Don’t get jealous
Don’t get over-zealous
Be cool
Kiss off that flaky valentine
You’re nobody’s fool
(Be Cool, 1982)
I used to count lovers like railroad cars
I counted them on my side
Lately I don’t count on nothing
I just let things slide
(Just Like This Train, 1974)
All these jackoffs in the office
The rapist in the pool
Oh and the tragedies in the nurseries
Little kids packin’ guns to school
The ulcerated ozone
These tumors of the skin
It’s a hostile sun beatin’ down now
On the massive mess we’re in!
And the gas leaks
And the oil spills
And sex sells everything
And sex kills
(Sex Kills, 1994)
These are the clouds of Michelangelo
Muscular with gods and sungold
I’ll shine on your witness taking refuge in the roads
(Refuge of The Roads, 1976)

ASSISTA A UMA ENTREVISTA CONCEDIDA POR
JONI MITCHELL EM 2013:



MAIS SOBRE
JONI MITCHELL NA INTERNET:

Texto de Zélia Duncan sobre Joni Mitchell

Site oficial de Joni

25 de novembro de 2013

TROVA # 26


 LUZES & SONS DA INSPIRAÇÃO


“New York
Concrete jungle where dreams are made of
There’s nothing you can’t do
Now you’re in New York
These streets will make you feel brand new
Big lights will inspire you
Hear it for New York
New York, New York…”
(Alicia Keys)


Ao Nilton e à Aninha, que aguentaram
as minhas crises de cansaço por toda Manhattan.


         A Paris deram o nome de “Cidade das Luzes”. No entanto, quando se coloca os pés em Nova York pela primeira vez, a impressão que temos é a de que todas as luzes do planeta migraram para o Atlântico Norte. A quantidade de apelos visuais feéricos e intermitentes de todos os tipos simplesmente não tem mais fim.

Em meio a tudo isto, somemos uma quantidade generosa de línguas e culturas distintas, uma bela constelação de teatros com astros e estrelas de todos os gostos, egos e tamanhos, uma variedade de lojas e outlets de todos os tipos e museus para todas (repetindo: todas!) as formas de Arte. E, lógico: para tudo isto há sons e versos que embalam a experiência inesquecível de passar pela Big Apple, a maçã proibida que provamos com gosto e prazer, por mais letal que o seu veneno possa lhes parecer.

Se você ainda não conhece esta grande metrópole, as canções que escolhemos para este TOP 10 afetivo vão te ajudar a compreender esta loucura um pouquinho melhor. Se você já conhece a cidade, escolha uma canção com a qual você se identificar ainda mais e embarque no navio da memória musical e resgate as suas melhores lembranças.


10 MOTIVOS MUSICAIS PARA VOCÊ
CARREGAR NYC NOS SEUS OUVIDOS 
E NO SEU CORAÇÃO:







10) M
adonna – “I Love New York






         Um dos momentos mais incendiários da Confessions Tour se dava quando a Rainha do Pop empunhava sua guitarra e tocava “I Love New York”. Ao bradar versos como “I don't like cities / But I like New York / Other places make me feel like a dork / Los Angeles is for people who sleep / Paris and London / Baby you can keep” ou o refrão-pop-chiclete “Other cities always make me mad / Other places always make me sad / No other city ever made me glad except New York / I love New York”, Madonna declara não apenas o seu amor pela Big Apple, como também fala de como esta cidade definiu suas ambições e seus anseios de conquistar o mundo com a sua verve Pop.

9) Sting – “Englishman in New York





         Este jazz composto por Sting na década de 1980 é um dos momentos mais significativos depois de sua saída do The Police. Nesta canção, o astro fala do choque cultural sofrido por um homem inglês na Big Apple (“I don't drink coffee I take tea my dear / I like my toast done on one side / And you can hear it in my accent when I talk / I'm an Englishman in New York”) e da importância de manter suas características mais marcantes de sua cultura, apesar de ter trocado a cinzenta Londres pela iluminada Nova York.

8) The Rolling Stones – “Shattered



 


         A partir da década de 1970, os EUA passaram a ter maior importância na vida e na obra dos Rolling Stones. Várias canções compostas pela dupla Mick Jagger – Keith Richards falavam de sexo, drogas, luxúria, amores partidos e outras desilusões... “Shattered”, última faixa de um dos maiores sucessos dos Stones, Some Girls (1978), traz um universo de “Love and hope and sex and dreams” e de “Pride and joy and greed and sex” em plena 7th Avenue. Além disso, Jagger canta o fato de que viver em uma cidade na qual a taxa de criminalidade crescia vertiginosamente no final dos anos 1970 não era tarefa das mais fáceis. “Shattered” é uma ode de amor à NYC às avessas, com todo o seu universo de desejo, cobiça e sedução – afinal, um dos versos finais deste clássico nos pede para “Go ahead, bite the big apple, don't mind the maggots”. Se Mick Jagger disse para que saboreemos a grade maçã sem se importar com os caroços, por que não fazê-lo?

7) Frank Sinatra – “(Theme From) New York, New York






         Se todos os clichês em torno de Nova York se resumissem uma canção, a gravação que Frank Sinatra fez para a composição de John Kander e Fred Ebb é o melhor caso, uma espécie de “Corcovado” para os nativos da Big Apple. E não havia melhor voz para cantar este standard do que o velho Sinatra: no início da década de 1980, os velhos olhos azuis eram a “Voz da América”, por isso acordar na cidade que nunca que dorme e fazer parte dela era mais do que natural para uma das vozes mais importantes do século XX. Apesar de ser um clássico “batido” nos ouvidos de muitos seres humanos, “(Theme From) New York, New York” ainda consegue despertar a emoção de todos aqueles que vão passar uma temporada em NYC.


6) R.E.M. – “Leaving New York





         Faixa de abertura de um dos trabalhos mais injustiçados do R.E.M., Around The Sun (2004), “Leaving New York” é uma ode apaixonada do vocalista Michael Stipe à cidade. A sensação inicial quando ouvimos os primeiros versos (“It's quiet now / And what it brings / Is everything // Comes calling back / A brilliant night / I'm still awake //I looked ahead / I'm sure I saw you there // You don't need me / To tell you now / That nothing can compare”) é de que Stipe canta ao pé do ouvido da cidade que o acolheu (e ainda deve acolher) por tanto tempo. A cidade das luzes, a cidade que ele tinha que abandonar toda vez que ele abandonava a cidade temporariamente para sair em turnê com os seus colegas de banda, a cidade que foi ferida e marcada profundamente pelos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001... A cidade que Stipe sempre amou e há de amar. Um retrato sentimental, poético, triste, mas de uma beleza irrepreensível.

5) Billy Joel – “New York State of Mind





         Composta por Billy Joel, “New York State of Mind” apareceu pela primeira vez em Turnstiles (álbum lançado por Joel em 1976). Apesar de nunca ter sido lançada em single, a canção se tornou em uma das (favoritas) mais populares do repertório de seu criador, além de ter sido regravada por nomes de peso da música norte-americana como Barbra Streisand, Diane Schuur e Tony Bennett.
Tomando como ponto de vista o ônibus Greyhound que segue a linha que cruza o rio Hudson (que corta a cidade), Billy Joel fala do seu amor pela cidade como se Nova York fosse mais do que isso: as luzes, avenidas, estrelas de cinema, limusines, os jornais, a música, a beleza de Manhattan, a bela feiura de Chinatown, tudo isto faz da cidade um estado de espírito! Daí a vontade de celebrar o legado e a beleza de um lugar sem comparação...

4) Natalie Merchant – “Carnival




        
         Depois de largar o 10,000 Maniacs, Natalie Merchant deixou de ser uma cantora “bonitinha e fofinha” que estava à frente de uma banda de sucesso para capitanear sua carreira solo com unhas, dentes e muita ousadia. Tigerlily (1995) teve como carro-chefe “Carnival”, esta ode às ruas da Big Apple. O palco virtual desenhado por Natalie revela atores sociais que compõem a cena citadina, multidões, riqueza e pobreza, o luxo da Tiffany’s e o lixo da miséria social do Queens (por exemplo). Não se trata de um carnaval, mas de um “parque de diversões” no qual as entranhas de uma cidade se abrem e revelam a beleza e a pobreza presente em cada uma das duas faces da moeda. E, no final de cada refrão, Natalie pergunta se o que os olhos veem refletem cegueira, perdição, perplexidade, paralisia? Várias perguntas sem respostas e outras perguntas a serem feitas...

3) Lou Reed – “Walk On The Wild Side





         Lou Reed foi um dos cronistas mais frequentes de Nova York. No entanto, a memória do grande público somente se lembra dos versos, dos acordes e dos repetitivos “Dooo-dooo-dooos” de “Walk On The Wild Side”. Reed fotografa com precisão espetacular o submundo de sexo, drogas sob uma perspectiva incomum – junkies, gays, travestis em meio a tranquilizantes e sexo oral. Caminhar pelo lado selvagem era viver intensamente pela Big Apple. O fundador do Velvet Underground soube bem o que foi tudo isso...


2) Norah Jones – “Back to Manhattan”  





         Norah Jones é uma das cantoras mais influentes de sua geração. Quando gravou seu disco The Fall (2009), esta nativa da Big Apple já era uma artista mundialmente premiada e respeitada por uma obra musical relevante, consistente e ousada.
Back to Manhattan” é um dos poucos episódios de The Fall no qual Norah se dedicou ao gênero musical que a colocou no mapa musical do planeta, o Jazz. A letra fala dos mundos diversos que existem em NYC: de um lado a rispidez do Brooklyn; do outro, as luzes de Manhattan. O eu-lírico de Norah se divide entre estes dois universos, ciente da impossibilidade de se desfazer de suas raízes – “But Brooklyn holds you / And holds my heart too / What a fool I was to think / I could live in both worlds”. Uma bela canção de amor que se utiliza das contradições da Big Apple para existir e falar da inexistência de explicações para este mistério que é o sentimento amoroso.

1) Rosemary Clooney – “Take Me Back to Manhattan





         Ao andar pelos corredores sem fim do Metropolitan Museum, achei um CD organizado pelos curadores do Met com o melhor das canções feitas sobre a Big Apple. Não resisti, obviamente, e levei o tal CD comigo. A surpresa mais agradável foi ouvir uma gravação belíssima para “Take Me Back To Manhattan” (Cole Porter), feita por Rosemary Clooney (tia de George e uma das maiores lendas da música norte-americana).

         Na gravação feita por Clooney em seu álbum de 1993, Still On The Road, Nova York é a cidade ideal para ela (e para todos nós que amamos abeleza da cena urbana). No entanto, ao se ausentar de sua adorada cidade, ela pede (sem muito pudor) que seu verdadeiro desejo é de voltar para o seu adorado ninho, para o seu apartamento no centésimo andar, afinal as saudades de North, South, West e East Manhattan são maiores do que a vontade de conhecer o mundo.  Ouça o Jazz, a voz inesquecível de Rosemary Clooney e mergulhe no mar de afetividade que Cole Porter dedicou à cidade mais charmosa das Américas.