28 de outubro de 2013

TROVA # 23

A ÚLTIMA TRANSFORMAÇÃO
DE LOU REED

Lou Reed em foto de Andy Warhol
Just a perfect day
you made me forget myself
 I thought I was someone else
 someone good
(“Perfect Day” – Lou Reed)


A partir do ano de 2013, o dia 27 de Outubro será conhecido como mais uma data na qual a música morreu mais um pouco. Foi um choque gigantesco para mim quando soube que Lou Reed deixou de estar entre nós. Uma perda irreparável para o Rock, para o Pop, para a música, para a Arte. Uma influência indiscutível para artistas do mundo inteiro. Um gênio e um chato de marca maior. Este foi Lewis Allan Reed durante 71 anos.

The Velvet Underground & Nico (1967)

         Lou não precisou de muita coisa para garantir o seu lugar dentre os grandes do Rock ‘n’ Roll. Seu disco de estreia à frente do Velvet Underground, o icônico The Velvet Underground & Nico (1967), é tão genial, mas tão genial, que se ouvirmos este disco em 2031, ele ainda vai estar milhares de anos à frente de seu tempo! Já seu segundo trabalho solo, Transformer (1972), é de uma perfeição tão absurda que não existem palavras para descrever esta obra-prima do Rock! Enquanto muitos precisaram de uma carreira sólida e extensa para garantir o seu lugar dentre os grandes do Rock ‘n’ Roll Hall of Fame, por exemplo, Lou Reed conseguiu isto com apenas DOIS álbuns!


Transformer (1972)

        

Mr. Reed on the stage



            Seus demais trabalhos nunca foram considerados “acessíveis” para o grande público, tal qual o incensado Transformer, produzido pela dupla dinâmica David Bowie – Mick Ronson. Discos como este figuram na lista interminável dos clássicos (Exile On Main Street, Talking Book, Harvest, The Rise And Fall of Ziggy Stardust & The Spiders From Mars...) que fizeram de 1972 um dos anos mais importantes da História do Rock. As 11 faixas, influenciadas diretamente pela magia glam de Bowie (mas sem deixar de ter o toque ácido do estilo poético de Reed), se tornaram parte das minhas relíquias musicais há anos. Guardo minha cópia da edição comemorativa deste disco ao lado de meus discos mais queridos em meu quarto. Ao pegar o disco e ter a certeza de que Lou Reed não está mais entre os terráqueos me dá uma tristeza sem tamanho.

“Satellite's gone up to the skies
 Things like that drive me out of my mind
 I watched it for a little while
 I love to watch things on TV”
Satellite of Love

Lou Reed, Mick Jagger e David Bowie em 1973


         Gênio para alguns e chato para outros, Lou Reed nunca se preocupou em ser uma unanimidade, herói, salvador da pátria musical ou qualquer coisa do tipo. Seus colegas de Velvet Underground viviam às turras com o vocalista excêntrico. Bowie - um admirador e parceiro de Reed - ficou anos sem falar com Lou por causa do ego gigantesco do autor de Transformer. Cometeu uma gafe enorme com Susan Boyle, quando esta gravou "Perfect Day", ao dizer que o trabalho de Boyle era um tremendo lixo (Susan foi às lágrimas e não foi por causa da beleza dos versos do clássico de 1972). Cancelou sua vinda à FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty), em 2010, sem nenhum motivo aparente. No mesmo ano, fez uma apresentação controvertida de seu álbum mais insólito, Metal Machine Music (1975), no SESC Pinheiros (SP). Apesar de muitos não esperarem que ele tocasse “Vicious” ou a antológica “Walk On The Wild Side” no Bis, os ingressos se esgotaram em menos de UMA HORA! Infelizmente, não tive a honra de estar no Teatro Paulo Autran para ver Mestre Reed em ação, mesmo sabendo que teria sido uma verdadeira chatice...

“Vicious, you hit me with a flower
You do it every hour
Oh, baby you're so vicious
Vicious, you want me to hit you with a stick
But all I've got is a guitar pick
Oh baby, you're so vicious”
Vicious

         
Lou Reed & David Bowie em 2008
         
          Outro exemplo de como Lou Reed não era algo de fácil apreensão para o grande público se deu na minha vida profissional. Certa vez, resolvi fazer uma atividade de Língua Inglesa baseada em “Perfect Day”, uma das baladas mais fantásticas de todos os tempos, para uma turma de alunos que cursavam o nível básico. Ser Professor de Inglês tem, dentre várias outras vantagens, a possibilidade de trabalharmos com o tipo de música que a gente gosta. Tudo transcorreu muito bem (Pre-Listening Task, While Listening Tasks, etc.) até a hora em que eu acabei de tocar a canção mais perfeita do Songbook de Reed. Meus alunos ficaram insatisfeitos (ou chocados, ou entediados, sei lá...) com a acidez dos versos do velho Lou (afinal, existe mais beleza do que tristeza em versos como "You're going to reap just what you sow", não é verdade?). Meus ex-pupilos se sentiram tão insatisfeitos que, na aula seguinte, uma aluna me deu uma sugestão de uma canção de LeAnn Rimes para uma próxima atividade... rsrsrsrsrs De meu herói musical, Lou Reed foi promovido a vilão das minhas aulas de Inglês!

“Yes I am mother nature's son
And I'm the only one
I do what I want and I want what I see
Could only happen to me”
I’m So Free

          A tarde de hoje ficou mais cinzenta por causa da última transformação de Lou Reed neste mundo. Que sua obra seja sempre relembrada e que sua influência sempre se dê entre nós, músicos ou não, roqueiros ou não, falantes de Inglês ou não, chatos ou não, gênios ou não. O autor de Transformer infelizmente nos fará falta, mas sua música é o passaporte para que possamos matar as saudades de mais uma Estrela que passou a brilhar em outros palcos...

Lou Reed (1942-2013) - R.I.P.

"Sunday morning
Wild side walking
Satellite of loving
All tomorrow's mournings"
(Alex Otaola)

15 de outubro de 2013

TROVA # 22


Três Verdades e Duas Ilusões sobre Marisa Monte
Marisa Monte em foto de Nilton Serra - São Paulo, Setembro/2013


Eu posso te fazer ouvir
Milhões de sinos ao redor
Eu posso te fazer canções
O amor soa em minha voz
Eu posso te fazer sorrir
Meus olhos brilham para ti
E os pés já sabem onde ir
Ninguém precisa decidir
Verdade - uma ilusão
Vinda do coração
Verdade - seu nome é mentira.”


(“Verdade, Uma Ilusão”, de Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes & Marisa Monte – na interpretação inesquecível de Marisa Monte)



      Marisa Monte habita minhas memórias musicais (e sentimentais) desde  os meus oito anos de idade. Eu era um menino carioca magrelo, sem  graça  que vivia em Porto Alegre (RS) por mero acidente de percurso e que cursava o terceiro ano do Ensino Fundamental quando ouvi esta voz pela primeira vez (ao contrário de qualquer menino da minha faixa etária, o que aumentava ainda mais o abismo social que me separava de meus coleguinhas de gaúchos na escola). Voltando ao tema da Trova de hoje: lembro-me claramente de quando ouvi “Bem Que Se Quis” na heroica Fiat 147 que meu Pai tinha. A voz de Marisa, para uma criança que mal ouvia música de qualidade, era um bálsamo para alguém que começava a se desenvolver suas percepções musicais.

    Minha adolescência foi regada pelos títulos mais Pop da discografia de Marisa Monte: Mais (1991), Verde Anil Amarelo Cor de Rosa & Carvão (1993), Barulhinho Bom (1996), somados ao seu antológico (e matador) disco de estreia, MM (1989), foram uma trilha sonora recorrente de uma era na qual se ouvia pouquíssima música brasileira no apartamento onde eu morava no subúrbio carioca que me pariu. A voz rara de Marisa sempre foi referência de mais refinado em termos de modernidade, tradição e bom gosto em matéria de canção brasileira. As interpretações que a bela morena fez para “Negro Gato” (Getúlio Cortês), “Comida” (Arnaldo Antunes, Sérgio Britto & Marcelo Frommer), “Chocolate” (Tim Maia), “Beija Eu” (Marisa Monte, Arnaldo Antunes & Arto Lindsay), “Volte Para O Seu Lar” (Arnaldo Antunes), “Eu Não Sou Da Sua Rua” (Branco Mello & Arnaldo Antunes), “De Mais Ninguém” (Arnaldo Antunes & Marisa Monte), “Sou Seu Sabiá” (Caetano Veloso) e tantas outras são tão definitivas e marcantes que não sairão das memórias musicais de muitos brasileiros e estrangeiros que amam a música que se faz por aqui.

    Os intervalos longos que Marisa Monte tirava entre o lançamento de cada trabalho inédito – extremamente benéficos para sua arte, diga-se de passagem – sempre me desapontou um pouco. A partir de 2000, data do lançamento de seu maior sucesso comercial, Memórias, Crônicas & Declarações de Amor (Textos, Provas & Desmedidos), Marisa já não era apenas uma cantora talentosíssima, como também era detentora de uma marca que lhe deixava em evidência para o grande público em momentos e de maneiras devidamente estratégicos. Seus CDs começaram a ser lançados mundialmente, suas turnês deixaram de ser nacionais e se converteram em World Tours produzidas com pompa, circunstância, efeitos especiais, músicos de renome, ingressos caríssimos e lotações esgotadas não importa onde a Bela esteja. Muitas de suas canções se tornaram hits instantâneos graças ao fato de terem figurado em trilhas sonoras de novelas da Rede Globo.


*

    A partir dos fatos enumerados até aqui, podemos elencar três verdades e duas ilusões que percebo em torno de Marisa Monte. Vamos às verdades:


1)    Marisa Monte é a cantora brasileira de maior alcance internacional hoje em dia: graças à EMI, seus CDs podem ser achados nas maiores cidades do planeta. O prestígio conquistado no decorrer de duas décadas de atividades musicais é correspondente ao respeito que os gringos possuem pela Bossa Nova. Além disto, Marisa já gravou com nomes de peso da cena musical internacional – David Byrne e Julieta Venegas, dentre os mais badalados.

2)    Marisa Monte é uma cantora moderna, porém atada à tradição: o trunfo e a fraqueza de Marisa residem justamente neste fato. Suas referências musicais principais (Portela, Jorge Ben, Titãs, Tim Maia, Paulinho da Viola, Roberto & Erasmo, Tropicália) lhe fazem uma artista que atualiza a produção dos medalhões da música brasileira para as gerações mais jovens. Já suas parcerias (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Nando Reis e alguns outros) lhe trazem um nível considerável de estabilidade musical, mas não lhe permite maiores possibilidades de inovação e renovação no panorama da música popular brasileira pelo simples fato de que as canções gravadas por Marisa são essencialmente radiofônicas.

3)    Marisa Monte não segue a cartilha das celebridades: apesar de ser uma personalidade de altíssima popularidade, de possuir uma imagem icônica (seus cabelos negros, longos e cacheados são sua marca visual registrada) e de ser profundamente respeitada por seus colegas de profissão e adorada por seus fãs, Marisa está longe de ser uma celebridade. Pouco se sabe sobre sua vida amorosa, seus filhos e de seu infinito particular. Sabemos pouquíssimo de seu paradeiro quando não está em turnê, para desespero dos paparazzi e das revistas de fofocas. Diante disto tudo, merece o respeito do respeitável público por não expor suas intimidades ao spotlight, como muitos globais existentes no pedaço...

 
Os cabelos negros, longos e cacheados são a marca registrada de Marisa Monte.




E vamos às ilusões:


1)   Marisa Monte pode até ser popular, mas seus shows não são: os CDs da musa possuem uma vendagem altamente expressiva – a ponto de permitir a façanha de lançar dois trabalhos consecutivos: Infinito Particular e Universo Ao Meu Redor (2006). Entretanto, o mesmo não pode ser dito de suas apresentações ao vivo: devido à alta oferta e procura de shows, a filha do Sr. Carlos Monte deixou de se apresentar em locais pequenos e passou a lotar grandes casas de espetáculo e com direito a lotações esgotadas e (possíveis) datas extras, para alegria dos patrocinadores e das elites que possuem bala na agulha e apreciar a arte de Marisa Monte a poucos metros de distância. Lamento este fato, pois suas canções possuem uma linguagem de fácil apreensão e muitos outros poderiam desfrutar de música qualidade se tivessem a oportunidade de ver a bela cantora atuar em locais mais populares.
Marisa Monte: Prima Donna? Popular? Diva?

2)   Marisa Monte não é Diva: acreditem se quiser, mas a voz que canta “Verdade, Uma Ilusão” não é uma Prima Donna. Marisa pode parecer distante de seu público no início de um espetáculo, mas, aos poucos, baila e interpreta canções dramaticamente, permite-se acolher pelo público para o qual canta e chega até a contar anedotas e curiosidades que se escondem por trás das canções entre um número e outro. Ao dar início a uma sessão de Bis, pede para que todos cantem juntos sem soar fake ou arrogante. A interação artista – público é carinhosa e genuína. Um exemplo deste fato está na experiência narrada por Nilton Serra, um genuíno admirador do trabalho de Marisa, em um show feito em São Paulo, em Setembro de 2013. Veja só:


“E no bis, Marisa Monte volta somente com sua guitarra, cantando "Amor I love You" dedicada à São Paulo. O público, por sua vez, fazia backing vocal. "Adoro quando um homem na plateia canta a parte do Arnaldo [Antunes]. Alguém sabe?" Escolhido o homem, ele começa com uma voz grave:


 "... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!".


 Muito aplaudido, ela retoma a canção e pergunta ao rapaz: "a quem você dedica esta canção?"; e ele: "ao Márcio, meu namorado" e a plateia vem abaixo em meio a delírios e aplausos. Um show magnífico, com um final pra lá de especial.”


Divas, mestras absolutas na arte do distanciamento detestariam o público das apresentações de Marisa Monte. Os pagantes-sortudos portadores de cartões de crédito, iPhones, contas no Instagram, et caterva possuem a oportunidade de interagir com uma Falsa Prima Donna. Para a alegria de alguns, para as verdades de muitos, para a ilusão de muitos outros (infelizmente)...

*

         Dentre verdades e ilusões em torno de sua figura, Marisa Monte sempre nos traz a referência de como a música no Brasil e de uma qualidade extraordinária. Não precisamos saber do que tais verdades e ilusões se tratam, basta ter ouvidos abertos e (tal qual sugere a canção de um de seus espetáculos mais poéticos), deixar que Ela deixe você sorrir...